Jair Bolsonaro cogitou e modificou um plano para implementar um estado de sítio e realizar novas eleições em 2022, após sua derrota eleitoral para Lula, confirmou nesta segunda-feira (9) Mauro Cid, seu ex-braço direito e coacusado no julgamento contra o ex-presidente por tentativa de golpe de Estado.
Em fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou Bolsonaro, 70 anos, de liderar uma “organização criminosa” para não reconhecer o resultado das eleições de outubro de 2022 e impedir a posse de Lula.
A suposta trama golpista teria fracassado por falta de apoio dos comandantes militares, mas Bolsonaro e outros sete ex-colaboradores podem receber sentenças de 40 anos de prisão se forem condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Os interrogatórios dos réus começaram nesta segunda-feira no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Vestido com um terno escuro e sem seu traje informal habitual, o ex-presidente sentou-se ao lado de outros réus e de seus advogados em uma fileira em frente ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a quem Bolsonaro já chamou de “ditador”.
O primeiro a depor foi o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que confirmou a existência de um documento para ativar o “estado de sítio” e “refazer as eleições” em 2022.
Bolsonaro “recebeu e leu” o documento apresentado por seus assessores, que previa a “prisão de autoridades” e a criação de um “conselho eleitoral” para realizar novamente as eleições vencidas por Lula, afirmou Cid, que assinou um acordo de delação premiada com a Justiça.
O ex-presidente “enxugou o conteúdo” do documento e “somente o senhor [Moraes] ficaria como preso”, disse Cid a Moraes, o que provocou uma risada de Bolsonaro na sala e uma piada do ministro, que afirmou que as demais autoridades teriam sido beneficiadas por “um habeas corpus”.
Pelo cronograma dos depoimentos previstos, espera-se que Bolsonaro comece a responder às perguntas a partir de terça-feira.
O líder da direita insiste em retornar à política, apesar de estar inelegível para as eleições de 2026, e nega as acusações.
Embora tenha o direito de permanecer em silêncio, Bolsonaro disse na semana passada à imprensa que vai responder sem problemas aos questionamentos da corte.
“Eu acho que é excelente a ideia de ao vivo nós falarmos sobre golpe de Estado. Estou muito feliz de termos a oportunidade de esclarecer o que aconteceu”, afirmou.
No dia seguinte, adotou um tom conciliador e afirmou que comparecerá perante os juízes sem querer desafiar ninguém. “Estarei lá com a verdade do nosso lado”.
Os interrogatórios acontecem na sede do STF, um dos prédios depredados por apoiadores de Bolsonaro em Brasília em janeiro de 2023 para pedir aos militares que derrubassem Lula, uma ação à qual a PGR também vincula o ex-presidente.
São transmitidos ao vivo e podem se estender até sexta-feira.
Também serão interrogados quatro ex-ministros e os ex-comandantes da Marinha e da Agência Brasileira de Inteligência.
Moraes, a PGR e as defesas podem questionar os acusados.
O processo avançou com mais rapidez do que a média dos processos judiciais criminais no país, destacou Rogério Taffarello, especialista em Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas.
Mas o STF ainda poderia ouvir novas testemunhas e as alegações finais das partes, antes que os ministros iniciem a votação para uma eventual condenação.
Bolsonaro passou o fim de semana com seus advogados para preparar seu testemunho, hospedado na residência oficial de seu aliado e governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, segundo a imprensa.
Em uma fase anterior, na qual o tribunal ouviu quase 50 testemunhas, Freitas, que foi ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro, saiu em sua defesa, afirmando que “nunca” ouviu o ex-presidente mencionar um plano golpista.
Mas dois ex-comandantes das Forças Armadas confirmaram que Bolsonaro apresentou a possibilidade de, eventualmente, decretar um estado de “defesa ou de sítio” para anular as eleições e permanecer no poder.
O plano golpista contemplava inclusive o assassinato de Lula e de Alexandre de Moraes, segundo a PGR.
“Você vai estar escrevendo de alguma forma a história do Brasil nesse dia”, declarou à AFP Márcio Coimbra, diretor do ‘think tank’ Casa Política. O processo “representa algo muito importante para a política brasileira, porque nós nunca tivemos uma pessoa que ocupou um cargo tão alto sendo interrogada pela Suprema Corte por uma tentativa de golpe de Estado”.
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