De duas, uma: ou envia-se o Regulamento Disciplinar do Exército para o museu ou parte da instituição tem de deixar de ser subserviente a Jair Bolsonaro. Ao presidente da República, as Forças Armadas devem obediência – submissão, jamais. Na semana passada o País descobriu que o general Eduardo Pazuello é o oficial com os ombros mais estrelados já visto por aqui, e perscrutava pelo seu destino. Até o início da tarde da quinta-feira 27, no entanto, tal interesse não obtivera resposta. A origem de tudo está no último domingo, quando ele subiu com o presidente Jair Bolsonaro em um palanque político-partidário, no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro. É lá que se localiza o Monumento aos Pracinhas. Pois bem, diante desse monumento, Pazuello, sem máscara e sorridente como sorriem os candidatos, mandou à favas o item 57, do Anexo I, do tal Regulamento Disciplinar, que considera grave transgressão a participação de militares da ativa em eventos do tipo. Prevê-se, para isso, punição imediata, mas a Pazuello ela não veio nem a cavalo nem de motocicleta. As mãos de Bolsonaro, as mesmas mãos que lhe deram o microfone no palanque, se intrometeram no desdobramento dos fatos para que ele escapasse incólume da insubordinação cometida.

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LEI General Paulo Sérgio: disposto a punir Pazuello, não deveria ter se calado (Crédito:Exército brasileiro)

Pelas regras militares, o ex-ministro teria de passar da ativa para a reserva. O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e demais membros do Alto Comando chamaram-no a uma reunião para encaminhar essa solução. Pazuello não a quis, e tudo ficou bem – ou seja, sob a guarda de Bolsonaro, o “nosso gordinho” do “meu Exército” seguiu vida normal, pelo menos até a tarde da quinta-feira. O Regulamento Disciplinar também fixa prisão por dez dias, mas os oficiais que defenderam essa posição deram um tiro n’água – logo se saberá se os disparos atingiram também os seus próprios pés, caso sejam aposentados por ordem do Planalto. Diante disso, o general Paulo Sérgio abriu uma mera apuração disciplinar, o máximo conseguido em meio à tanta pressão de Bolsonaro para que houvesse condescendência com Pazuello. Ainda assim, Bolsonaro, que estava no Equador na posse do presidente de extrema direita Guillermo Lasso, telefonou para Braga Netto e proibiu que o Exército tornasse público o teor da nota que trata da abertura desse processo. A publicidade a fatos dessa natureza é um princípio republicano. Bolsonaro o atropelou. E Paulo Sérgio, sem a menor obrigação regimental, se submeteu ao autoritarismo.

EM MARCHA Braga: empenhado, ma non troppo, em levar Pazuello à reserva (Crédito:Ricardo Moraes)

Não somente o comandante do Exército mas também parte do Alto Comando deixaram-se amordaçar (generais como Orlando Geisel e Leônidas Pires Gonçalves devem ter-se sentido alvejados na eternidade). Há militares submissos que veneram o capitão, há militares submissos que discordam dele mas põem panos quentes em situações delicadas – são oficiais de “fritar bolinhos”, como os definia Golbery do Couto e Silva. As Forças Armadas estão divididas, e é justamente esse o objetivo do presidente. Bolsonaro é, de fato, o comandante em chefe das Forças Armadas, mas isso não lhe dá o direito de censurar ninguém. E os militares, por sua vez, não são obrigados a obedecer ordens inconstitucionais. “Os princípios da obediência têm limites”, escreveu o ex-porta-voz da Presidência general Otávio Rêgo Barros. E criticou o comportamento frouxo de escalões fardados frente ao autoritário Bolsonaro, que o tempo todo interferiu para que o ex-ministro não fosse punido imediatamente como deveria sê-lo. Segundo Rêgo Barros, isso traz o “efeito colateral da corrupção lato sensu. Da corrupção moral, a genitora de todas as outras corrupções”. Na quinta-feira, Paulo Sérgio e Braga Netto viajaram ao Amazonas para se encontrarem com o presidente e rediscutirem a necessidade de punição ao ex-ministro, em nome da não desmoralização das Armas.

Há militares submissos que veneram o capitão, há militares submissos que discordam dele mas põem panos quentes em situações difíceis — são de “fritar bolinhos”, como os definia Golbery do Couto e Silva

Por que Pazuello recusou-se a ir para reserva quando instado por Paulo Sérgio? Resposta: com a sua reconvocação à CPI e em meio aos comentários de que dessa vez será preso se mentir, ele sentiu-se mais seguro mantendo-se na ativa, até porque alguns oficiais bolsonaristas, nos bastidores, fizeram correr a notícia de que jamais tolerariam ver um general em atividade recebendo voz de prisão. Bolsonaro precisa, mais do que nunca, de que Pazuello o livre de responsabilidades pelo genocídio na pandemia, e por tal motivo o incentivou a não aceitar a passagem à reserva. Mais: declarou que poderá revogar qualquer punição que Paulo Sérgio venha a lhe aplicar. Quando estava na ativa, Bolsonaro fazia proselitismo sindical nos quartéis e ameaçou jogar bomba na Vila Militar. Agora, na Presidência do Brasil, incentiva a indisciplina na caserna. É desse “meu Exército”, bagunçado e dividido, que ele necessita para viabilizar seus delírios golpistas.