Na última sexta-feira, dia 26 de junho, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Ceará para inaugurar um trecho da transposição do rio São Francisco. No domingo, a página de seu filho Carlos no YouTube público um vídeo dirigido aos Nordestinos, com o título “Presidente Bolsonaro: Ceará!” É uma peça das mais esquisitas, que diz muito sobre a crise existencial que o bolsonarismo atravessa.
Desde a prisão de Fabrício Queiroz, há pouco mais de dez dias, Bolsonaro fez um recuo tático. Suspendeu a comunicação no estilo tiro, porrada e bomba. Mandou emissários ao STF, em busca de apaziguamento. Intensificou a entrega de cargos aos partidos do Centrão. E certamente passou a olhar com mais atenção as pesquisas sobre o eleitorado.
Há diversas pesquisas sobre aprovação do governo na praça. Elas convergem ao mostrar que o apoio a Bolsonaro se mantém estável, mas também revelam movimentações internas desse eleitorado. Enquanto o contingente dos apoiadores mais ricos e mais educados oscilou para baixo nos últimos meses, o dos mais pobres cresceu.
Não é que tenha explodido. Segundo algumas pesquisas, apenas retornou aos patamares do início do ano, depois de um momento de queda. Acredita-se que a recuperação é fruto do auxílio emergencial, que alimentou a simpatia dos mais necessitados em relação ao governo.
Como já argumentei aqui, a criação do coronavoucher de 600 reais não é mérito de Bolsonaro. Mas quem o recebe dificilmente estará ciente disso. O dinheiro vem com o carimbo do governo federal.
Sendo assim, é natural a tentativa de cristalizar esse apoio, mostrando Bolsonaro como um assistencialista em quem se pode acreditar. E é natural que o esforço mire o Nordeste, onde o peso das ações gestadas em Brasília é muito mais sentido e lembrado.
Mas o Nordeste não foi a região que mais resistiu a Bolsonaro? Não foi a única que não lhe concedeu vitória em um estado sequer? O Nordeste, para resumir, não é petista?
Segundo os cientistas políticos que trabalham com pesquisas, essa é uma meia verdade. O voto de quem depende de uma política do governo é bastante influenciado pelo receio de perdê-la. Isso explica o malogro de Bolsonaro em 2018. Mas se ele mostrar que é confiável, agora que está no governo, parte da rejeição se esvai. Mesmo que continuem as boas lembranças de Lula.
Aí entra o vídeo deste fim de semana. Com dois minutos de duração, ele não faz propaganda do governo. É promoção pessoal mesmo. Com direito a ilustração de Bolsonaro com sanfona e chapéu de couro.
Trata-se de uma curiosa incursão do bolsonarismo nos clichês da propaganda política. Há muitos rostos brasileiros em close, às vezes sofridos, às vezes sorridentes. E há muito Bolsonaro interagindo com o povo.
A surpresa está na trilha sonora, um forró entoado por um cantor profissional. A letra que ele canta tem dois motes.
Primeiro, o cantor pede perdão a Bolsonaro em nome do Nordeste. “Me desculpe se com você eu fui indecente”, diz a canção.
Em seguida ele se explica: passaram a ideia falsa de que o Bolsa Família seria exterminado se o ex-capitão ganhasse. Mas Bolsonaro, felizmente, não é vingativo. Por isso, está na hora de o Nordeste estabelecer uma nova relação com o presidente, que é um cara decente. Dá-lhe rima!
O segundo mote pode ser resumido neste verso: “Foi Deus quem te colocou na presidência”. Essa parte tem imagens de Bolsonaro no hospital, depois de sofrer atentado a faca.
Há mesmo no bolsonarismo um instinto agressivo quase impossível de reprimir. Até o seu singelo aceno musical aos nordestinos exige nada menos que submissão. Bolsonaro é o escolhido de Deus. E o nordestino “indecente” precisa pedir perdão por não ter entendido esse fato desde o início.
Convenhamos, com essa mensagem, talvez o vídeo não tenha o efeito esperado. Mas ele é produto de uma leitura racional da conjuntura política. Podemos esperar outras viagens e outros forrós do presidente por aí.
Em tempo: Já existe um certo consenso na Justiça Eleitoral de que um político pode fazer promoção pessoal na internet a qualquer momento, desde que não peça votos. Assim, o vídeo de Bolsonaro não infringe a lei por ser publicado fora de um período eleitoral. Mas convém verificar quem bancou o trabalho. Um vídeo desse tipo não sai de graça, e Bolsonaro está sem partido. Não tem acesso a recursos do fundo partidário. Ele gastou do próprio bolso? Ou foi doação de amigos? Se algum recurso da Secretaria de Comunicação do governo foi utilizado, é pênalti.