Jair Bolsonaro pode estar vivendo seus últimos momentos de liberdade. Esse é o consenso no entorno do Delegado-Geral da Polícia Federal (PF), Andrei Passos, que o investiga, e no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que o julgará. Fala-se, nos bastidores da PF e do STF, que o capitão deve ser preso até o final do ano. E o primeiro passo foi dado nesta quinta-feira, 31, com o depoimento simultâneo dos oito acusados pelo desvio das joias do governo vendidas ilegalmente no exterior, em oitivas realizadas pela PF.

Cada um foi interrogado numa sala em separado, por delegados diferentes. Os policiais investigam a “organização criminosa” liderada por Bolsonaro e que envolve a ex- primeira-dama Michelle, o coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid (que está preso), seu pai Lourena Cid, general de quatro estrelas, e o advogado do ex-presidente, Frederic Wassef. Ainda foram ouvidos o advogado Fabio Wajngarten, o coronel Marcelo Câmara e o tenente Osmar Crivelatti.

O clima foi tenso: se a PF constatasse que algum deles mentiu ou escondeu provas, ou se os delegados sentissem que houve combinação de versões, poderia ser declarada obstrução à Justiça, o que levaria ao pedido de prisão preventiva. Os investigados pelo roubo das joias respondem por peculato e lavagem de dinheiro, com penas superiores a 12 anos de cadeia. Apesar de não ter havido nenhuma prisão, foi um dos momentos mais nervosos da história de Brasília.

A estratégia da PF para pegar contradições e versões falsas foi articulada por nove dias pela equipe de Andrei Passos, conhecido por DG (Diretor Geral), um dos delegados mais preparados da instituição. Ele foi chefe da segurança de Lula em suas campanhas, inclusive na de 2022.

Fontes da PF ligadas ao DG afirmaram que os alvos seriam surpreendidos com documentos e confissões do coronel Cid, que vem colaborando com a PF, e também com a troca de conversas do general Lourena Cid, seu pai, com os acusados, tidas como comprometedoras e reveladoras. Há também trechos de conversas captadas dos telefones de Wassef, apreendidos na semana passada, que podem complicar ainda mais a vida do capitão.

Mas o que deve implodir mesmo a retaguarda do ex-presidente são as declarações dadas pelo coronel Cid na sede da PF, em Brasília, no dia 28, em forma de confissão e colaboração.

Para os policiais, Bolsonaro não teria mais como negar ser o cabeça da quadrilha que desviou joias para o exterior. O ex-presidente se manteve calado nas primeiras perguntas feitas pelos delegados e estaria disposto a blindar Michelle, dizendo que ela não sabia de nada sobre as joias. Mas Bolsonaro sabia, pois há gravações de Cid que mostram ele dando ordens para se vender as joias no exterior.

É bem provável que em breve prisões preventivas sejam pedidas pela polícia e decretadas por Alexandre de Moraes, pois, ao final das oitivas, todas as versões serão compiladas e cruzadas pela PF.

Wassef depôs em São Paulo e Wajngarten, advogado do ex-presidente, obteve apoio da OAB-SP para se negar a depor, alegando prerrogativas profissionais.

Por volta das 11h, o advogado do casal presidencial, Paulo Bueno, tentou uma manobra de última hora. Apresentou nota dizendo que a defesa questionava o foro adequado para julgamento de seus clientes. Queria tirar a ação do STF, razão pela qual Bolsonaro e Michelle poderiam ficar mudos nos depoimentos.

Na prática, Mauro Cid e o pai, Lourena Cid, desarmaram essa estratégia: contaram tudo. No Supremo, ministros confirmaram que Alexandre de Moraes “é o juiz natural do caso”.

À espera da lei

No entorno de Andrei Passos, nomeado para o cargo pelo ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), a possibilidade de prisão de Bolsonaro é bem real. Essa pergunta é feita a ele dezenas de vezes por semana por jornalistas, advogados e magistrados. Sua reação é sempre a mesma: “A PF vai prender Bolsonaro? Vai sim, se houver requisitos legais para uma prisão, tais como tentativa de fuga do País, ocultação ou destruição de provas, pressões a testemunhas, obstrução de Justiça etc., que são previstas em lei”, dizem fontes da PF.

Para o DG, esses são alguns requisitos para a prisão, mas ainda não se tem conhecimento de transgressões nesse sentido. Passos tem sido procurado por jornalistas de todo o País desde que o caso explodiu na mídia, após denúncia feita pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, mas o delegado evita entrevistas.

Fontes ligadas à PF dizem que ele está assoberbado com o caso. Explicam que há 60 mil investigações em andamento no Brasil atualmente e que ele não tem tempo para acompanhar o passo a passo da operação sobre as joias desviadas.

Isso não significa, porém, que está alheio. “Em casos de grande repercussão, como este, o DG sempre acompanha as operações desenvolvidas”, diz um delegado.

Uma das questões-chave na investigação é a que trata do pedido de bloqueio da conta de Bolsonaro. Os policiais suspeitam que o ex-presidente tentava lavar os R$ 17 milhões que recebeu em PIX como doações, informação divulgada com exclusividade pela ISTOÉ.

O DG não sabe quando será o desfecho da apuração, nem confirma a informação de que o esquema, com o eventual bloqueio das contas de Bolsonaro, passaria a ser no sentido de os depósitos de PIX serem direcionados para as contas da Michelle. “Quem detecta movimentos atípicos no sistema bancário é o Coaf, que, depois comunica ao BC. Caso haja crime a ser investigado, a PF é acionada para apurar”, costuma afirmar.

Ocorre, porém, que, com a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro e de Michelle, a PF conseguirá identificar os doadores de quase um milhão de depósitos de PIX. Se a PF constatar o envolvimento de novos personagens, eles serão denunciados.

Andrei Passos, Diretor Geral da PF: depoimentos simultâneos para pegar contradições e versões falsas (Crédito:Arquivo / Agência O Globo)

Além do caso das joias, a PF também comanda outros inquéritos policiais contra a maioria dos oito investigados. Eles respondem por crimes cometidos no caso da falsificação das carteiras de vacinação do então presidente, na tentativa de golpe de Estado e no questionamento da integridade das urnas eletrônicas.

Apesar de Bolsonaro estar encrencado em todos esses casos, a situação penal dele se agravará à medida que as apurações devem arrastar outros militares que atuaram em seu governo, como é o caso dos generais Augusto Heleno e Braga Netto, responsáveis pelo núcleo duro do poder.

Andrei Passos não tem medo de investigar militares de alta patente. Sua equipe garante que todos os militares que surgirem como envolvidos em crimes serão intimados, uma vez que decisão do STF autorizou a corporação a investigar todos os suspeitos.

“Para a PF não interessa se é soldado, cabo ou general. Tanto assim que esta semana prendemos em Manaus o secretário de Segurança do Amazonas, o general do Exército Carlos Alberto Mansur, acusado por chefiar esquema de extorsão a criminosos”, diz um delegado.

Sem espetáculo

A fonte da PF também defende a autonomia dos policiais na atual gestão fazendo operações e investigações contra Bolsonaro. “Podem ver que não está havendo espetacularização das atuais operações. Não tem o japonês da federal e nem o hipster da federal. Temos feito as prisões em sigilo e a imprensa não está acompanhando tudo em tempo real, como aconteceu no passado.”

O delegado geral não esconde que sempre foi um crítico da Lava Jato. Repete que é contra a espetacularização da operação. “Ninguém esquece até hoje a condução coercitiva de Lula até o Aeroporto de Congonhas para ele depor no caso do triplex”, costuma afirmar. Com novos ou velhos métodos de investigação, o fato é que a vez de Bolsonaro está chegando.