Nenhum assunto estampou de forma mais clara a incompetência e despreparo de Paulo Guedes do que a área social. Ele teve toda a campanha eleitoral de 2018 para sugerir atualizações para os programas na área. Mais de 60% do mandato já se esgotou, e o governo avança no seu 26º mês sem saber o que fazer. No próximo ano, a lei eleitoral proíbe a criação de gastos sociais. Portanto, o ministro tem pouco mais de seis meses para bolar uma estratégia, enviar uma Medida Provisória e aprovar no Congresso seu novo Bolsa Família.

Como até agora não compreendeu (ou não aceitou) que vive numa democracia, em que grandes mudanças precisam ser discutidas com a sociedade e aprovadas em um consenso que envolva todas as forças políticas, já perdeu o prazo para uma transformação de fato. O novo Bolsa Família, se vier, será um arremedo populista que não vai resolver nada, provavelmente nem a verdadeira motivação para essa iniciativa no governo: um atalho para a reeleição de Bolsonaro.

“Nós jogamos na defesa nos primeiros três anos, controlando despesas. Agora vem a eleição? Vamos para o ataque”, declarou Guedes à “Folha de S.Paulo”. O plano é turbinar o Bolsa Família para se contrapor à “ameaça Lula” e à falta de popularidade de Bolsonaro no Nordeste. O programa deve ganhar um verniz patriótico, como aconteceu com o “Casa Verde Amarela” ou a “Carteira Verde Amarela”, que deveriam roubar as bandeiras sociais do PT e viraram um fiasco pela incompetência do governo. Não foi só inépcia.

Todas essas políticas são fadadas ao fracasso porque o próprio ministro não vê nenhuma prioridade na ajuda em larga escala à população que vive à margem da economia. O governo foi empurrado contra a vontade para viabilizar o Auxílio Emergencial em 2020, demorou quatro meses para renová-lo este ano e agora enfrenta um drama existencial sobre estendê-lo por mais dois meses ou recriar o Bolsa Família em novas bases (pode pular de R$ 190 mensais para até R$ 300).

Como tudo é feito contra a vontade e sem convicção, o novo Bolsa Reeleição significará mais tempo e dinheiro desperdiçados (o auxílio emergencial do ano passado custou R$ 300 bilhões, foi repleto de fraudes e não aperfeiçoou planos que foram gestados ao longo de décadas). Guedes errou de forma constrangedora todas as previsões que fez sobre a Covid.

Primeiro, afirmou em março de 2020 que com R$ 5 bilhões “a gente aniquila o coronavírus”. No final do ano, se recusou a prever novos gastos com a crise porque acho que pandemia não chegaria a 2021. No meio do caminho, Bolsonaro implodiu a agenda reformista no Congresso, como sempre desejou, para entregar o Orçamento ao Centrão. É o populismo com seus piores desdobramentos que vai gerar o novo Bolsa Família.

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O PT usou o marketing político mais cínico para criar o seu programa, mas pelo menos tinha um desejo distributivo legítimo. Guedes, ao contrário, é um concentrador que enxerga os pobres como um problema, não uma solução. Seu programa será mal ajambrado, caro e ineficiente. Pode até dar um colchão de popularidade para Bolsonaro, mas não vai resolver nenhum dos graves problemas do País. O titã do liberalismo virou apenas um marqueteiro de ocasião.


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