Caminhões e passageiros retidos, regiões incomunicáveis e escassez nas cidades: a Bolívia enfrenta há uma semana protestos dos seguidores de Evo Morales contra os juízes que impedem uma nova candidatura presidencial do ex-chefe de Estado.

Os produtores de coca e outras organizações camponesas pressionam nas estradas pela renúncia dos magistrados e pelo chamado a eleições judiciais, com o confronto entre Morales e o governo de Luis Arce como pano de fundo.

Antigos aliados, ambos os líderes foram aclamados como candidatos à corrida presidencial de 2025 dentro do Movimento Ao Socialismo (MAS), o partido governista dividido.

“Hoje temos 25 pontos de bloqueio no país, gerando escassez em nível nacional de alimentos e até mesmo de combustíveis”, disse Jhonny Aguilera, vice-ministro do Interior.

Em La Paz, já se sente a escassez de frango e outros produtos básicos. No mercado de Villa Fátima, “não há nada, nem miúdos para vender”, disse Marisol Llanque, uma consumidora de 32 anos, à AFP.

Nos mercados, o quilo de frango está sendo vendido por cerca de dois dólares e meio (R$ 12,3), um dólar a mais do que antes dos protestos. Suprimentos em menor quantidade estão chegando aos estabelecimentos estatais por avião.

Os bloqueios começaram em 22 de janeiro, mas se intensificaram enquanto o governo tenta promover um acordo no Congresso para realizar eleições judiciais que deveriam ter sido convocadas no ano passado.

Trinta e dois policiais ficaram feridos nos confrontos com os camponeses, e também foram oficialmente relatados onze detidos e duas pessoas que morreram retidas nos bloqueios que isolam o leste do oeste do país.

“Estamos organizados para resistir por muito tempo nessa questão de bloqueios se não convocarem o diálogo” para que os juízes “deixem seus cargos”, alertou Leonardo Loza, deputado dos produtores de coca, à emissora de televisão PAT.

No Congresso, seis legisladores aliados de Morales iniciaram uma greve de fome nesta segunda-feira para exigir a eleições de novos juízes, anunciou o deputado Gualberto Arispe.

– Manobra de Reabilitação –

As cidades mais afetadas pela escassez são La Paz, a sede do governo, Cochabamba e Santa Cruz, região produtora e motor econômico do país.

Os manifestantes que bloqueiam o tráfego com pedras, troncos, pneus e fogueiras querem a saída imediata dos juízes que decidiram contra Morales em dezembro e prorrogaram seus mandatos, aguardando a convocação de eleições.

Em sua sentença, os magistrados argumentaram que Morales não pode se candidatar novamente, pois já exerceu os dois mandatos permitidos pela Constituição.

Amparado em reformas constitucionais, Morales ocupou a Presidência de 2006 a 2019, quando renunciou devido a protestos que denunciavam uma fraude nas eleições em que buscava um quarto mandato.

“Pela Bolívia, pela democracia e pela institucionalidade do Estado, o governo deve garantir uma sessão por tempo e matéria que assegure as eleições judiciais”, escreveu Morales em sua conta.

Na opinião de analistas, o líder dos produtores de coca pretende que um novo tribunal escolhido reabilite sua candidatura. Os atuais juízes são vistos como simpatizantes do governo de Arce.

“O que Evo busca ao organizar novas eleições [judiciais] é tentar eliminar a sentença existente, que impede o tribunal eleitoral de aceitá-lo como candidato”, analisou Ana Velazco, acadêmica e especialista em conflitos sociais, à AFP.

– Descontentamento Crescente –

A primeira semana de bloqueios resultou até agora em cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,46 bilhões, na cotação atual) em perdas, de acordo com o Ministério da Economia.

O governo organizou o transporte de passageiros retidos em “voos solidários” da companhia aérea estatal, embora sejam insuficientes para atender à demanda.

Germán Jiménez, diretor da Agência Nacional de Hidrocarbonetos, lançou um alerta sobre o risco de acidentes com caminhões-tanque carregados de combustível presos nos protestos.

“Pode ocorrer uma explosão […] Qualquer incidente nesses pontos de bloqueio”, disse o funcionário à imprensa.

O sindicato dos transportadores ameaçou “desbloquear” por conta própria as estradas. “Não vamos permitir que nossos caminhões, nossos transportadores, continuem prejudicados”, disse Bismark Daza, líder da Federação de Transportadores de Santa Cruz.

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