O governo da Bolívia anunciou nesta quinta-feira (27) a prisão de 17 militares e civis acusados de participação no fracassado golpe de Estado contra o presidente Luis Arce.

Quinze dos detidos, supostamente envolvidos na tentativa de golpe ocorrida na quarta-feira, quando tropas e tanques cercaram o palácio presidencial por horas, foram apresentados com algemas, coletes à prova de balas e sob escolta policial.

Os outros dois, o general Juan José Zúñiga e o vice-almirante Juan Arnez, ex-comandantes do Exército e da Marinha, respectivamente, apontados como líderes do plano, foram detidos na própria quarta-feira.

Ambos podem pegar penas de até 20 anos de prisão por terrorismo e rebelião armada, segundo o Ministério Público.

“Foi realizada a apreensão de um total de 17 pessoas por tentar consumar um golpe de Estado”, disse em coletiva de imprensa o ministro de Governo (Interior), Eduardo del Castillo. “Isso [golpe] teria sido planejado desde o mês de maio passado.”

A polícia, que reforçou a segurança do palácio presidencial nesta quinta-feira, está em busca de outros três suspeitos.

Antes de liderar o complô, o ex-comandante do Exército estava prestes a ser destituído. No início da semana, Zúñiga havia ameaçado prender o ex-presidente Evo Morales – rival de Arce, mas do mesmo partido – se o ex-mandatário insistisse em concorrer à presidência em 2025.

Na quarta-feira, no momento de maior tensão, um tanque tentou derrubar uma das portas do palácio presidencial, onde Arce estava reunido com seu gabinete.

O presidente encarou pessoalmente o general Zúñiga e ordenou que o oficial retornasse aos quartéis, conforme vídeo divulgado pela presidência.

Zúñiga recusou, mas deixou o palácio presidencial minutos depois. Suas tropas finalmente se retiraram após mais de três horas, quando Arce nomeou uma nova cúpula militar.

Doze civis foram feridos na quarta-feira por balas de borracha disparadas pelos militares amotinados, de acordo com um relatório oficial.

– “Descontente” –

Fortalecido pelo apoio internacional e também de seus simpatizantes, Arce, de 60 anos, conseguiu sair vitorioso da tentativa de golpe, quando lhe resta pouco mais de um ano para encerrar o mandato.

“O fato de o golpe não ter sido bem-sucedido não significa que a situação na Bolívia tenha sido resolvida, pelo contrário: foi um sintoma de um descontentamento muito significativo que existe entre amplos setores”, analisou Gustavo Flores-Macías, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.

Com um longo histórico de golpes militares, a Bolívia atravessa uma crise econômica derivada da queda de receitas pela baixa produção de gás, sua principal fonte de rendas até 2023, associada à falta de investimentos e exploração.

A rebelião dos militares aconteceu em um cenário de turbulências na economia, devido à escassez de dólares, que afeta as importações, e de combustíveis, o que irrita os sindicatos de transporte de carga.

Como pano de fundo também está a disputa entre Arce e o seu mentor político, o ex-presidente Evo Morales (2006-2019), que promoveu reformas constitucionais para governar por três mandatos e tentou buscar um quarto. Os dois se enfrentam hoje pelas bandeiras do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) diante das eleições presidenciais de 2025.

Apesar de ter sido inabilitado pela Corte Constitucional, Morales não cede e acusa Arce de manobrar para retirá-lo da disputa.

Ex-ministro das Finanças de Morales durante todo o seu mandato, o atual presidente ainda deve anunciar se tentará a reeleição.

Arce parece “melhor posicionado” nesta crise do que seu adversário político, disse à AFP o analista Carlos Cordero, da Universidade Católica Boliviana.

Segundo o acadêmico, o atual chefe de Estado se mostrou como “um homem que pode sair à praça para repreender os militares e restaurar a paz social”.

– Suspeitas –

Pouco antes de ser levado para uma delegacia, Zúñiga afirmou que a tentativa de golpe foi sugerida por Arce “para aumentar a sua popularidade”.

“É absolutamente falso e são coisas que considero inconcebíveis”, respondeu horas depois a ministra da Presidência, María Nela Prada, braço direito de Arce.

O ex-presidente Jorge Quiroga (2001-2002) descreveu o golpe como uma “opereta”, o que evidencia “o grau de decomposição institucional após 18 anos de governo do Movimento ao Socialismo”.

O ex-presidente centrista Carlos Mesa (2003-2005) também afirmou na rede social X que a mobilização militar “parece uma farsa”.

Para o professor Flores-Macías, é necessário “avaliar muito bem o quão generalizado está o descontentamento dentro das Forças Armadas (…) Mas para começar, o governo Arce está em um momento crítico de fraqueza”.

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