O governo da Bolívia anunciou nesta quinta-feira (27) a prisão de 17 militares e civis acusados de participação no golpe de Estado fracassado contra o presidente Luis Arce.

Quinze dos detidos foram apresentados com algemas, coletes à prova de balas e sob custódia policial. Os outros dois – o general Juan José Zúñiga e o vice-almirante Juan Arnez, ex-comandantes do Exército e da Marinha, respectivamente -, acusados de liderar a ação, foram presos ontem.

O presidente Arce negou hoje ter armado “um autogolpe” com o general que liderou o levante militar, como afirmou o oficial antes de ser preso: “Ele alega que eu o teria instruído para ganhar um pouco de popularidade. Lamentavelmente para ele, e foi demonstrado que não sou um político que vai ganhar popularidade com o sangue do povo.”

Zúñiga e Arnez podem pegar até 20 anos de prisão, por terrorismo e rebelião armada, indicou o Ministério Público. “Isso teria sido planejado desde o mês passado”, sugeriu em entrevista coletiva o ministro do Interior, Eduardo del Castillo. A polícia está à procura de outros três suspeitos.

– Feridos –

Antes de liderar o complô, o ex-comandante do Exército estava prestes a ser destituído, por violar normas e emitir opiniões políticas, confirmou Arce.

No começo da semana, Zúñiga havia ameaçado prender o ex-presidente Evo Morales – rival de Arce, mas do mesmo partido – se o ex-mandatário insistisse em concorrer à presidência em 2025.

Na quarta-feira, no momento de maior tensão, um tanque tentou derrubar uma das portas do palácio presidencial, onde Arce estava reunido com seu gabinete. O presidente encarou o general e ordenou que ele retornasse aos quartéis, mostra um vídeo divulgado pela presidência. Zúñiga se recusou, mas deixou o palácio presidencial minutos depois.

A rebelião militar deixou 14 civis feridos por projéteis, segundo um balanço revisado do governo. Várias pessoas agredidas por soldados passaram por cirurgias, informou Arce.

– Alerta a Morales –

Fortalecido pelo apoio internacional e também de seus apoiadores, Arce, 60 anos, conseguiu se sair vitorioso da tentativa de golpe, a pouco mais de um ano do fim de seu mandato.

“O fato de o golpe não ter sido bem-sucedido não significa que a situação na Bolívia tenha sido resolvida, pelo contrário: foi um sintoma de um descontentamento muito significativo que existe entre amplos setores”, analisou Gustavo Flores-Macías, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.

Com um longo histórico de golpes militares, a Bolívia atravessa uma crise econômica derivada da queda de receitas pela baixa produção de gás, sua principal fonte de rendas até 2023, associada à falta de investimentos e exploração.

A rebelião dos militares aconteceu em um cenário de turbulências na economia, devido à escassez de dólares, que afeta as importações, e de combustíveis, o que irrita os sindicatos de transporte de carga.

Como pano de fundo também está a disputa entre Arce e o seu mentor político, o ex-presidente Evo Morales (2006-2019), que promoveu reformas constitucionais para governar por três mandatos e tentou buscar um quarto. Os dois se enfrentam hoje pelas bandeiras do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) diante das eleições presidenciais de 2025.

Apesar de ter sido inabilitado pela Corte Constitucional, Morales não cede e acusa Arce de manobrar para tirá-lo da disputa. O presidente revelou hoje que, apesar do que chamou de diferenças, alertou Morales para o golpe em curso em uma breve chamada, para que tomasse “suas precauções”.

Após o golpe fracassado, Arce parece “mais bem posicionado” nesta crise do que seu adversário político, disse à AFP o analista Carlos Cordero, da Universidade Católica Boliviana.

Segundo o acadêmico, o atual chefe de Estado se mostrou como “um homem que pode sair à praça para repreender os militares e restaurar a paz social”.

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