Conversando com amigos queridos ontem, reparei nossa dificuldade em discutir assuntos que não nos interessam. Alguém disse: ‘o Cruzeiro se classificou (Copa do Brasil), vocês viram?’. Eu: ‘foda-se’. O outro: ‘contra quem?’. O quarto: ‘nem quero saber’.

Sou da geração da imprensa tradicional (com erros e acertos; méritos e deméritos): jornal, rádio, TV. Crescemos não tendo escolha. Ou líamos, ouvíamos e assistíamos a tudo – mesmo o que não gostávamos ou não nos interessava -, ou seríamos ignorantes gerais.

Portanto, ao ler o Diário da Tarde de segunda-feira e o caderno de esportes do Estado de Minas, no resto da semana, o atleticano conhecia de cor e salteado os resultados, a tabela e a escalação de todos os times do País, e assim entendia melhor o futebol brasileiro.

POLÍTICA

Na política se dava a mesma coisa. Quem, hoje em dia, conhece mais do que dois ou três políticos (um que gosta, um que odeia e outro que ouviu falar por aí)? Sim, ninguém se aprofunda nos bons e maus valores da política, por isso votamos tão mal.

Na primeira eleição após a ditadura militar, em 1989, havia dezenas de candidatos e conhecíamos quase todos. Atualmente, só queremos saber do nosso escolhido e de um ou outro rival, deixando de prestar atenção em outras propostas e pessoas.

Como não havia variedade de informação, todos acabavam conhecendo um pouco de tudo e de todos. Hoje, há nicho ou segmento para qualquer coisa, o que foca a procura e o interesse, mas desprestigia os demais conteúdos e limita o conhecimento geral.

PICANHA

Por exemplo: alguém digita ‘receita de picanha’ no Google e… bingo! Terá imediatamente ao seu dispor, por ordem de patrocínio, claro, e não de qualidade, mil e uma formas de assar, fritar, cozinhar, fatiar, temperar, misturar, enfim, comer sua picanha.

A pessoa acima (com muita grana, né, porque picanha não é mais para qualquer um), sem dúvida, com alguma habilidade e paciência, irá fazer a melhor refeição possível mesmo sem ser uma ‘chef’, mas resumiu suas possibilidades àquele conteúdo.

Com um pouco menos de foco, poderia ter aprendido sobre chorizo, filé mignon, alcatra e até mesmo lasanha, feijoada e strogonoff. O que estou tentando mostrar é a nossa ligeireza e atenção exclusivas apenas ao que nos interessa, sem observar ao redor.

VISEIRA

As pessoas não leem mais notícias, mas seguem aqueles jornalistas que confiam, e então deixam de conhecer outros fatos e versões, tão necessários para a formação de um correto e mais preciso juízo de valor. Conhecer o sabor das massas e das maçãs, entendem?

Só nos informamos sobre o que interessa, com quem interessa e discutimos entre iguais – brigamos com diferentes! Claro, afinal, como discutir civilizadamente sobre algo que não fazemos a menor ideia e não temos o menor interesse em conhecer; apenas combater?

E quanto mais nos afundamos nesse processo, mais bolhas construímos. E quanto mais bolhas construímos, mais nos isolamos do mundo real, da vida que existe lá fora e dessa experiência monumental (e ligeira!) que é passar por este ‘maravilhoso mundo de merda’.

As bolhas – sejam quais forem – não nos agregam; nos segregam! E nos isolam! E nos tornam reativos e violentos com o estranho, com o diferente, tornando o dia a dia mais pobre, resumido, estupidamente limitado e palco de puras ignorância e selvageria.