Pressionado desde a última eleição norte-americana, em 2016, o Facebook chega agora a uma encruzilhada difícil de escapar, com o crescimento do boicote de grandes anunciantes acertando em cheio o caixa da empresa. Mais de 500 companhias mundiais de peso como Unilever, Coca-Cola, Starbucks, Microsoft, entre outras, anunciaram nesta semana a retirada de propagandas enquanto a rede social não tomar medidas para coibir a disseminação de discurso de ódio pela plataforma. A discussão não é nova. Começou com a explosão do caso da Cambridge Analytica, após a vitória de Donald Trump, que analisava os dados pessoais dos usuários do Facebook para manipulação. Mas Mark Zuckerberg resistia a qualquer controle do conteúdo por não querer assumir o que chamava de “postura de árbitro da verdade”. No entanto, o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, em maio, trouxe o problema à tona de novo e os discursos racistas deixaram o nervo exposto, mostrando que o Facebook não mudou nada em quatro anos.

“Talvez seja boa essa parada. Mas isso será temporário, porque não se pode discriminar a tecnologia” Cris Camargo, CEO do IAB no Brasil (Crédito:Alan Teixeira)

E a reação não demorou, surgindo com força através do movimento #stophateforprofit (Pare o ódio pelo lucro), que prevê o boicote em resposta à falta de compromisso da plataforma. E Zuckerberg sentiu no bolso o reflexo do movimento. A empresa chegou a perder até US$ 70 bilhões em valor na bolsa. Como os anúncios representam quase 90% do seu faturamento, ela se viu sem saída e decidiu rever sua posição. Diz que, agora, vai começar a fiscalizar mensagens violentas.

A preocupação com as redes sociais vem crescendo no mundo todo, especialmente nos EUA, com a aproximação de novas eleições. Em junho, o Twitter, a rede preferida de Trump, interferiu no conteúdo do presidente, que havia publicado a frase “quando os saques começam, os tiros começam”, repetindo uma afirmação racista dita por um policial segregacionista nos anos 1960. Enquanto o Twitter se posicionava, o Facebook continuava se negando em nome da liberdade de expressão. O fato é que o Facebook é hoje a segunda maior plataforma de anúncios do mundo, atrás apenas do Google, com receita anual de US$ 69,7 bilhões. Mas os anúncios são bem pulverizados, sendo que as grandes empresas representam 6% do faturamento. O boicote, porém, chega num momento crucial, em que muitas empresas reduziram campanhas devido à pandemia. Dona de marcas como Dove, Omo e Rexona, a Unilever diz que vai fazer mudanças para gerar transparência nas plataformas digitais. Já a Coca-Cola informa que vai parar os anúncios por 30 dias para rever as políticas digitais da empresa. O Facebook respondeu que investe bilhões para manter a segurança e que já baniu 250 organizações supremacistas brancas, tanto do Facebook, como do Instagram. Mas a resposta não convenceu.

Publicidade programática

Para especialistas, o impacto financeiro pode não ser tão grande, mas é impossível ignorar o efeito da perda da Unilever, segundo maior anunciante mundial, ou da Coca-Cola. A questão, no entanto, vai além do dinheiro, batendo na reputação, indicando que há problemas de controle e que o ponto central são os algorítimos, que usam inteligência artificial para manter o usuário por mais tempo na rede vendo anúncios. Estes sistemas aprendem o que o usuário gosta, passando a oferecer conteúdos relacionados. Eles também sabem que os conteúdos que provocam indignação são chaves para manter a atenção. Segundo Cris Camargo, CEO do Interactive Advertising Bureau (IAB) no Brasil, as redes sociais sempre apostaram na liberdade de expressão. Mas isso acabou trombando com princípios sociais básicos. Por isso, a entidade, presente em mais de 40 países e criada para parametrização da publicidade digital, treina há sete anos profissionais da área para que conheçam as ferramentas e, principalmente, usem filtros da chamada “brand safe”, que define critérios de onde o anúncio pode entrar. “Mas talvez seja bom essa parada para que a publicidade programática evolua”, diz. Ela cita a ferramenta de retargeting que permite ao anunciante “seguir” o internauta quando ele clica em um produto, por todas as páginas que ele abrir, mesmo que seja de violência ou pornografia. Apesar disso, Cris não acha que a publicidade digital vai perder espaço. “Será temporário, porque não se pode discriminar a tecnologia”, diz.