Ueslei Marcelino

E tal preocupação foi também para a agenda de chefes de Estado, investidores, empresários, banqueiros e entidades nacionais e estrangeiras que se preocupam com o meio ambiente. Jair Bolsonaro (sim, ele é o Nero da história) cortou verbas de órgãos que fiscalizam o avanço ilícito de garimpeiros e do agronegócio na Amazônia, e anunciou esbanjamento de dinheiro na compra desnecessária de equipamentos de monitoramento da mata, dando como sucateada a tecnologia do Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Chamou organizações ambientais de “câncer que deve ser morto” e deu de ombros diante do segundo pior número de queimadas para um mês de agosto desde 1998: foram contabilizados 29.307 focos de incêndios. Junte-se a isso, algumas cabeçadas, não ideológicas mas operacionais, entre o presidente e seu vice, general Hamilton Mourão. Diante desse quadro desolador, formou-se a mais ampla frente mundial contra a pirotecnia bolsonarista e em nome da preservação sustentável das matas. A palavra de ordem nas redes sociais e entre altos escalões políticos e financeiros é a seguinte: ou o governo cuida das florestas, como devem elas ser cuidadas, ou investimentos, que hoje seriam vitais para a nossa combalida economia, têm de ser definitivamente cortados — sejam internos ou vindos do exterior. Trata-se de uma justa e importante reação denominada “Defund Bolsonaro” (“Desfinanciando Bolsonaro”). É como se as autoridades daqui, ao desdenharem da Amazônia, queimassem uma marca chamada Brasil — ninguém, em um mundo globalizado e, felizmente, cada vez mais busca ser sustentável, quer ver o seu nome colado a um governo que pratica crimes ambientais.

MIOPIA IDEOLÓGICA Quando Bolsonaro e Salles olham essa foto, eles não veem fogo nem fumaça (Crédito:Sandro Pereira)

Não é por desamor ao Brasil que surge essa resistência, ao contrário, é por verdadeiro patriotismo que banqueiros, empresários e ONGs se organizam. É por amor ao País, diferenciando a Nação em relação a um governo que despreza até o sentido de nacionalidade. Antes que tal governo insista na justificativa de que florestas naturalmente queimam — e, com essa falácia, argumente que o presidente da República nada pode fazer —, é necessário que se atente a um fato crucial quando se fala em matas tropicais: elas não incendeiam. Essa informação, então, demonstra a maneira, principalmente ilegal, pela qual está se dando o desmatamento. Apesar das secas, a Amazônia não entra em chamas sem que haja um fator externo (leia-se humano). Esse fator está diretamente ligado a ilegalidade na qual vem operando o garimpo, o mal planejado agronegócio e as motosserras. Sim, esse é o modus operandi do governo capitaneado por Jair Bolsonaro. A ilegalidade passou a ser regra. E a regra ilegal é clara: queimem, queimem e queimem. A nossa floresta (é assim que devemos chamá-la enquanto sociedade) está em chamas e o cheiro de queimado chegou em todo o mundo. Detalhe: chegou àqueles que tem poder financeiro. Os investidores dizem não para a destruição da floresta. E o governo federal responde com mais e mais fogo. E, na mesma intensidade que a nuvem laranja toma conta das árvores, o mundo se afasta da imagem incendiária do governo Bolsonaro. “Parece até uma esquizofrenia desse governo que não vê o combate ao desmatamento, principalmente ao ilegal, como algo fundamental para a economia brasileira”, diz a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar. “Então pergunto: quem está ganhando com isso?”.

Com a destruição da Amazônia, Bolsonaro transformou o Brasil em uma espécie de marca perigosa
— como punição e autopreservação, ninguém e nenhum país vão investir em um governo que comete crime ambiental

Perguntas, perguntas e perguntas. Confusão, confusão e confusão. Fogo, fogo e fogo. De um lado, há Bolsonaro que nada diz e, quando fala, seria melhor se tivesse se calado. Como chefe de Estado ele vai de encontro a qualquer valor necessário àqueles que defendem o uso sustentável da floresta. Já seu vice, general Hamilton Mourão, parece andar em círculos. Diz que se compromete a diminuir o desmatamento e o fogo da floresta tropical, ao mesmo tempo traz uma proposta sem sentido: regulamentar o garimpo. “Não tem como gerenciar um país e querer acabar com a ilegalidade legalizando tudo”, diz o coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo. “O problema efetivo, que é a destruição da Amazônia, vai continuar lá. Não vai melhorar só porque está legalizado”. Vale lembrar que onde Mourão nasceu o garimpo ilegal corre à solta mesmo com a suposta fiscalização do Exército. Ainda assim, embates entre Mourão e Bolsonaro às vezes brotam do chão. O general alega que o seu chefe está fazendo uso político da mata. Entretanto, concomitantemente, concorda com a crítica do também general Augusto Heleno em relação ao pedido da ministra do STF Cármen Lúcia, que solicitou ao presidente explicações sobre o uso das Forças Armadas na Amazônia Legal. Mais: servidores federais denunciam “cronograma de desmonte ambiental”. As trinta e cinco páginas do dossiê serão entregues à ONU, denunciando as ações de Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles contra qualquer política sustentável. Para piorar ainda mais a imagem do País no exterior o Ministério do Meio Ambiente, chefiado por Ricardo Salles, acusou o documento de ser somente uma “manipulação de fatos, dados e versões”. Nessa confusão do que deveria ser feito e aquilo que realmente é realizado, o governo diz que a solução é o envio das Forças Armadas para a região até o fim de 2022. “No ano passado, quando terminamos a Operação Verde Brasil 1, de combate às queimadas, nós deveríamos ter permanecido no terreno para entrar de cabeça no combate ao desmatamento”, afirmou Mourão, após falar que faltam braços e pernas para que o Ibama e o ICMBio atuem com rigor. É justamente essa ação que o STF vem questionando e que Mourão e Heleno são contra.

Quanto mais fundo se vai nessa história, mais evidente fica um conhecido ditado – pedindo aqui desculpas ao leitor pela banalização da escrita, “onde há fumaça há fogo”. E é esse fogo que afasta cada vez investidores sérios e responsáveis, como já citado nesse texto. Em meio à desgastada imagem do Brasil no exterior, banqueiros brasileiros uniram-se no compromisso de cuidarem da floresta e desenvolveram metodologicamente uma inteligente, racional e eficaz estratégia: empresas que estiverem ligadas ao desmatamento não terão mais crédito. A iniciativa é uma parceria do Bradesco, Itaú Unibanco e Santander, três das mais conceituadas e íntegras instituições financeiras. À mídia, seus presidentes declararam que querem construir um modelo inédito no País para rastrear empresas ligadas à destruição das matas. Essa atitude inspira-se em modelos já existentes em países europeus que, diferentemente do governo brasileiro, preocupam-se com o meio ambiente.

Atualmente, em nosso território, ocorrem coisas estranhas, muito estranhas. O ministro Ricardo Salles publicou um vídeo para provar que a Amazônia não está em chamas. Como Salles acha que somente ele é esperto, mostrou imagens da Mata Atlântica dizendo que eram da Amazônia — ou seja, mentiu. O tão espertinho gostou de ter em sua mata exibida a presença de um mico-leão-dourado. Ora, Salles, esse animal só existe na Mata Atlântica, não na Amazônia. A situação é, de fato, desesperadora. O Pantanal também está em chamas, e somente em 2020 mais de dois milhões de hectares foram devastados na região. A imagem do País é, assim, cada vez mais queimada nos quatro cantos da Terra. O governo, que nunca agiu em favor da Nação, está, agora, incendiando-a. Feito Nero, corre os dedos nas cordas de sua lira e olha a floresta que arde com ardentes olhos alucinados.