O caminhoneiro Edward Martínez está há 16 dias parado em uma estrada da província de Chiriquí, a maior produtora agrícola do Panamá, bloqueada por manifestantes que protestam contra a operação de uma mina de cobre a céu aberto no país.

“É uma tragédia o que está acontecendo aqui, algo muito duro, que não desejo a ninguém”, disse à AFP o motorista de 42 anos, cujo veículo é um dos mais de 300 caminhões bloqueados na rodovia Interamericana perto de Silimín, 450 km a oeste da capital, em Chiriquí, província fronteiriça com a Costa Rica.

O Panamá vive sua terceira semana de protestos depois que o Congresso aprovou um polêmico contrato entre o Estado e a empresa canadense First Quantum Minerals (FQM), que opera a maior mina de cobre da América Central no Caribe panamenho.

“Necessitamos de nossas famílias, necessitamos de nossos trabalhos, estamos passando por um mau momento”, argumenta Martínez, de pé, ao lado de seu furgão vermelho.

“Aqui não estão incomodando o governo, estão incomodando o próprio povo. Deveriam protestar onde eles estão, na Assembleia [Nacional], pelo menos, ou na casa dos deputados ou do presidente”, acrescenta.

Os bloqueios causaram escassez de alimentos, medicamentos e combustível em Chiriquí, que produz 80% dos vegetais que o país consome. Além disso, provocaram desabastecimento de hortaliças e frutas na capital e em outras cidades.

A tensão aumentou na terça-feira quando um homem de 77 anos matou a tiros dois manifestantes em um bloqueio rodoviário perto da capital. Na semana passada, em Chiriquí, outro morreu atropelado em circunstâncias confusas. Várias marchas e vigílias foram convocadas para esta quarta em sua homenagem.

– “Nossa terra não se vende” –

Os motoristas parados compartilham o que têm para comer com os colegas e buscam uma maneira de passar o tempo, enquanto esperam a reativação do tráfego na rodovia Interamericana, que liga o Panamá ao restante da América Central.

Vários motoristas penduraram redes sob seus caminhões para se protegerem do sol e da chuva.

“Aqui em Chiriquí, muitos bloqueios [continuam] porque as pessoas não concordam com o que o governo está fazendo”, disse à AFP o policial Feliciano Flores.

Alguns manifestantes sugeriram suspender temporariamente os bloqueios com fins “humanitários”, mas outros rejeitam essa possibilidade.

“Nossos filhos não se vendem, nossa terra não se vende, nossa ecologia não se vende e nossos rios não se vendem”, ressalta Clementina Pérez, líder indígena da comarca Ngäbe-Buglé, em Silimín, ao advertir que o protesto irá continuar.

– “O povo falou” –

Os protestos eclodiram no dia 20 de outubro, quando o Congresso aprovou a lei do contrato de mineração assinada em agosto pelo governo do presidente panamenho, Laurentino Cortizo, que permite a operação da jazida por 40 anos.

Para acalmar a agitação popular, o Congresso aprovou na última sexta-feira uma moratória sobre a mineração de metais e concordou em deixar a decisão final sobre o contrato nas mãos do Supremo Tribunal de Justiça.

Os grupos ambientalistas ficaram satisfeitos com estas medidas, mas o sindicato da construção e os sindicatos dos professores continuaram os protestos e bloqueios para exigir a anulação do contrato por lei.

Em Chiriquí, centenas de motoristas abastecem com gasolina na vizinha Costa Rica, os produtores de arroz afirmam que suas colheitas estão ficando cobertas de pragas e os vizinhos reclamam da falta de gás em suas casas.

“O povo falou e a maioria disse (…) que não quer minas no Panamá. Pedimos a abertura [das estradas] e esperamos o que o Tribunal estabelecerá. Os efeitos são enormes”, disse à imprensa Antonio Araúz, prefeito de David, principal cidade de Chiriquí.

O governo panamenho defende o contrato argumentando que envolve contribuições anuais mínimas da mineradora ao Estado de 375 milhões de dólares (1,8 bilhão de reais), dez vezes mais que o valor do acordo inicial de 1997, que foi declarado inconstitucional porque a concessão foi dada sem licitação e em condições desfavoráveis para o país.

Alertou, ainda, que o encerramento da mina provocará a perda de 8 mil empregos diretos e 40 mil indiretos, além de desferir um duro golpe na economia nacional em um momento no qual o Canal do Panamá teve que reduzir o trânsito de navios devido à seca.

A mineradora canadense, que investiu mais de 10 bilhões de dólares (pouco mais de 50 bilhões de reais) no Panamá, contribui com 5% do PIB do país. Em fevereiro de 2019, produzia cerca de 300.000 toneladas de concentrado de cobre por ano (75% das exportações locais).

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