BIS destaca crescimento do Brasil na América Latina, mas alerta para inflação

Enquanto o desempenho econômico da América Latina tem moderado neste ano, o Brasil é uma exceção na região, com forte demanda interna, destaca o Banco de Compensações Internacionais (BIS), em seu relatório anual, publicado neste domingo. O progresso da inflação, contudo, chama atenção e obriga a autoridade monetária a subir os juros no País, alerta o ‘banco central dos bancos centrais’.

“Na América Latina, a atividade econômica foi geralmente moderada, exceto no Brasil, onde uma forte demanda doméstica foi sustentada por um mercado de trabalho apertado e transferências fiscais”, diz o BIS, no documento. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu 1,4% no primeiro trimestre deste ano ante o mesmo intervalo de 2024.

Quanto ao nível de preços praticado na região, o organismo faz um alerta. Enquanto no mundo, a inflação continuou se reduzindo, rumo às metas dos bancos centrais, esse processo desacelerou em algumas economias da América Latina, aponta. Brasil, Chile e Colômbia são exemplos, conforme o BIS, que menciona fatores internos como forte demanda privada, ajustes em preços regulados e desvalorização das moedas domésticas.

“O Banco Central do Brasil aumentou rapidamente as taxas em resposta à evidência de que as expectativas de inflação estavam se desancorando em meio à alta inflação”, afirma o BIS, em seu relatório anual.

Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aprovou novo aumento de 0,25 ponto porcentual para a taxa básica de juros, que passou de 14,75% para 15% ao ano. O mercado espera que esse patamar seja mantido até dezembro, com o primeiro corte na Selic vindo apenas em janeiro de 2026, conforme o boletim Focus do BC.

Salto da inflação em 12 meses preocupa famílias de países ricos a emergentes

As famílias estão preocupadas com o risco de salto nos preços no curto prazo, de um lado ao outro do Atlântico, a despeito de os preços caminharem rumo às metas dos bancos centrais em algumas economias, alerta o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), em seu relatório anual, publicado neste domingo.

Pesquisa realizada pelo organismo em 29 economias avançadas e de mercado emergente mostra que, em média, os indivíduos esperam que a inflação nos próximos 12 meses seja de cerca de 8%, significativamente mais alta do que o nível atual de inflação média de 2,4%. A taxa de inflação mais alta possível é esperada em torno de 11%, enquanto a mínima é cerca de 4%.

De acordo com o assessor econômico e chefe do Departamento Monetário e Econômico do BIS, Hyun Song Shin, as expectativas de inflação das famílias tendem a superestimar o nível real dos preços. “Há um certo viés ascendente nessas pesquisas”, explicou ele, em coletiva de imprensa, para comentar o relatório anual do BIS.

Mas, independentemente disso, o que importa é que as expectativas de inflação das famílias influenciam no comportamento econômico, conforme Shin. “Se esse viés ascendente leva a ações por parte dos agentes econômicos, então, na prática, não importa se as expectativas estavam corretas ou não, pois estas influenciam as ações”, destacou ele.

Esse é mais um ponto que exige que os bancos centrais mantenham uma postura vigilante com as expectativas para a inflação. “Elas podem impactar o comportamento econômico de maneira substancial”, alertou o assessor econômico do BIS.

A pesquisa do BIS também mostra que, para as famílias, os preços aumentaram significativamente mais rápido nos anos após a pandemia em comparação com o período anterior. Em média, nas diferentes regiões, a percepção é de que os preços subiram cerca de 9% entre 2015 e 2019 e 18% entre 2020 e 2024. Esses valores estão amplamente alinhados com a taxa real de inflação, segundo o BIS.

No entanto, parte importante dos indivíduos, quase 20%, percebe um aumento muito mais acentuado no nível de preços praticados em suas respectivas economias, com relatos que indicam patamar acima dos 30%. As causas do aumento da inflação são preços elevados das commodities e escassez relacionadas à pandemia.

“Essas conclusões ressaltam como surtos temporários de inflação podem deixar uma marca duradoura nas expectativas de inflação das famílias”, diz o BIS.

A análise do organismo também identificou que as expectativas de inflação são negativamente correlacionadas com o conhecimento das famílias sobre o banco central. As que conhecem a autoridade monetária e aquelas acreditam no seu mandato de estabilidade tendem a ter expectativas de inflação significativamente mais baixas, reduzidas em 2,3 e 1,2 pontos porcentuais, respectivamente. Mas, na prática, a maioria das famílias carece de um entendimento básico sobre o banco central, conclui.

Tarifas de Trump

A nova política comercial dos Estados Unidos elevou os indicadores de incerteza a níveis tipicamente associados a crises e tornou o horizonte da economia global ‘imprevisível’, avalia o Banco de Compensações Internacionais (BIS). O otimismo em torno de uma aterrissagem suave da economia global, que era iminente no ano passado, foi colocado em xeque, na visão do banco central dos bancos centrais, sediado em Basileia, na Suíça.

“As interrupções comerciais agora ameaçam remodelar o cenário econômico global, à medida que relações políticas e econômicas de longa data estão sendo questionadas”, diz o organismo, em seu relatório anual, divulgado neste domingo.

Desde o anúncio das tarifas recíprocas do presidente dos EUA, Donald Trump, em abril, organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) cortaram suas projeções para o crescimento da economia global neste ano. Além disso, há “implicações mistas” para a inflação em todas as economias, alerta o BIS.

“Era para termos uma aterrissagem suave. Tudo estava indo conforme o planejado. Então, tivemos esse período muito substancial de volatilidade, com a ameaça de que as tarifas poderiam dificultar a convergência da inflação para a meta de 2% ao ano em alguns países”, disse o gerente-geral do BIS, Agustín Carstens, ao comentar o relatório anual da organização, em coletiva de imprensa.

Segundo ele, as tarifas de Trump tornam o processo de desinflação e atingimento das metas dos bancos centrais “mais difícil” em alguns países. Em paralelo, as expectativas inflacionárias não convergiram para o patamar almejado, conforme Carstens.

O dirigente do BIS explicou que leva tempo para as pessoas diferenciarem níveis de preços e inflação. O fato de que os preços aumentaram e não caíram leva muitos a acreditar que a inflação está “muito alta, mesmo que esteja baixa”. “Isso torna as expectativas de inflação resistentes à convergência, e é por isso que os bancos centrais devem estar extremamente vigilantes, atentos a qualquer ressurgimento da inflação ou grandes mudanças nas expectativas”, observou Carstens.

Por outro lado, tarifas e outros fatores podem causar um impacto no crescimento econômico, e reduzir a pressão inflacionária, ponderou. “Em algumas regiões, essa situação pode aliviar a pressão sobre a inflação. No entanto, em outras, como nos Estados Unidos, o banco central pode enfrentar um cenário muito desafiador”, alertou o gerente-geral do BIS.

Fiscal e Oriente Médio

Na questão fiscal, o banco central dos bancos centrais não vê uma “crise iminente”, mas avalia que a direção atual não é a correta, com a proporção da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) em muitos países aumentando rapidamente nas últimas décadas. “Um ajuste é crucial e deve começar o quanto antes”, alertou Carstens.

Segundo ele, quanto mais cedo os países adotarem ajustes fiscais e restabelecerem seus colchões de proteção, menores são as chances de que isso tenha consequências negativas para o restante da economia. Além disso, nunca se sabe quando será necessário implementar novamente uma política fiscal agressiva para estabilizar a economia, como ocorreu com a covid-19, acrescentou.

“Se os países precisarem destinar mais recursos para gastos militares, isso certamente terá um impacto fiscal”, projetou o dirigente do BIS. Quanto à situação no Oriente Médio, ele destacou os aumentos nos preços do petróleo nas últimas semanas e disse que o impacto dependerá do tempo de duração. “Se for um impacto duradouro, terá consequências significativas, pois representa um choque econômico”, avaliou.

Israel e Irã concordaram, até o momento, em um cessar-fogo para negociações. Esse choque pode ser “único e pontual”, mas dependendo de sua permanência e de como afeta as expectativas de inflação, pode ter consequências mais graves e desencadear alguma reação de política econômica, conforme Carstens. Neste momento, o BIS não prevê grande impacto, mas monitora a situação no Oriente Médio de perto.

Trump x Fed

O gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), Agustín Carstens, defendeu a importância da independência dos bancos centrais em meio às pressões do presidente do Estados Unidos, Donald Trump, sob o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell. Na sua visão, os constantes ataques do republicano ao chefe do BC dos EUA não representam uma “ameaça”.

Em seu relatório anual, publicado hoje, o BIS destaca que a gestão Trump desencadeou dúvidas sobre seu compromisso com a independência da política monetária nos EUA. Segundo Carstens, é importante ter em mente os fatores que motivam a necessidade de um banco central autônomo, que precisa do apoio da sociedade para fazer o seu trabalho.

“Ao longo da história, a política, especialmente a monetária, levou a efeitos devastadores sobre a inflação e o sistema financeiro, afetando o bem-estar de indivíduos e empresas, muitas vezes levando países à beira do colapso”, alertou Carstens, em coletiva de imprensa, para comentar o relatório anual do BIS, publicado hoje.

Por isso, ao longo do tempo, muitas sociedades tomaram a ‘decisão consciente’ de que é fundamental proteger o país contra pressões políticas sob a autoridade monetária, avaliou. “O importante que a sociedade apoie os bancos centrais e que o mandato dos bancos centrais reflita as preferências da sociedade”, reforçou o dirigente do BIS.

Conforme ele, é esperado que, em diferentes momentos, haja fricções, pois é justamente por isso que em muitos países do mundo o banco central autônomo foi instituído. O ideal, contudo, seria que essas fricções não existissem, mas isso vai além das capacidades do banco central, disse.

“Isso ocorre em qualquer lugar, e não é apenas uma questão nos Estados Unidos”, afirmou Carstens. “Enquanto a sociedade apoiar a existência de uma instituição dentro do estado com o mandato de preservar a estabilidade, isso não deve ser visto como uma ameaça”, acrescentou.

Nos últimos dias, Trump renovou os ataques contra Powell, na sequência de seu depoimento de dois dias no Congresso dos Estados Unidos. “Temos que combater esse cara, ele não está fazendo o trabalho”, afirmou o republicano, sem mencionar o presidente do Fed.

Swap cambial

O mercado de swap cambial alcançou a marca de US$ 111 trilhões no ano passado, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês). O segmento de maior e mais rápido crescimento é o de contratos entre instituições não bancárias (NBFIs, na sigla em inglês), que quase triplicou de tamanho desde 2009, informa o organismo, em seu relatório anual, publicado hoje.

“Isso torna necessária uma abordagem regulatória mais holística”, cobrou o assessor econômico e chefe do Departamento Monetário e Econômico do BIS, Hyun Song Shin, em coletiva de imprensa, para comentar o documento.

Ele defendeu que atividades bancárias e não bancárias que representam riscos semelhantes devem estar sujeitas a abordagens regulatórias “igualmente rigorosas”. “Também é necessário monitorar melhor a quantidade de alavancagem que esses gestores de ativos e fundos acumulam e até que ponto suas ações e posições amplificam o estresse existente”, sugeriu Shin.

O BIS também chama atenção para a maior posição das instituições não-bancárias como principais credores privados estrangeiros de títulos de governos. Nos Treasuries, o maior mercado de títulos soberanos do mundo, as NBFIs expandiram rapidamente sua fatia na última década, de acordo com o organismo, com sede em Basileia, na Suíça.

Dólar mais fraco

O assessor econômico do BIS minimizou preocupações com a desvalorização da divisa americana. O estudo do organismo mostra que aproximadamente 90% dos swaps cambiais envolvem o dólar em uma das partes, o que enfatiza o seu papel central no sistema financeiro global. Mais de três quartos de todos os contratos em aberto têm vencimento inferior a um ano.

“Tipicamente, é quando o dólar está fraco que os mercados tendem a assumir mais risco”, disse o assessor econômico do BIS.

De acordo com ele, um dólar mais forte geralmente é considerado um barômetro de um episódio de aversão ao risco, reduzindo a alavancagem e levando a uma retirada do risco. “Portanto, um dólar mais fraco não é, geralmente, algo ruim para a estabilidade financeira”, esclareceu.

No relatório, o BIS destaca ainda o papel importante que a taxa de câmbio desempenha na propagação global das condições financeiras, especialmente para as economias de mercado emergentes. Esses países captam no exterior geralmente por meio de emissões de títulos em dólar. “Qualquer mudança nas condições financeiras externas ou na taxa de câmbio é diretamente transmitida para o ambiente doméstico”, atenta o banco central dos bancos centrais.

Corredor estreito

Outro alerta do BIS é quanto ao vínculo mais estreito dos mercados financeiros globais. “Isso significa que as condições financeiras são transmitidas de forma mais poderosa entre as economias e em múltiplas direções. Não é uma via de mão única”, disse o assessor econômico do organismo.

O relatório anual do BIS aponta que a política monetária ainda direciona amplamente as condições financeiras domésticas, mas os bancos centrais devem estar atentos às influências globais e seus efeitos, antecipando o impacto das decisões de juros de outras jurisdições.

“A sensibilidade aumentada aos fatores de risco globais exige uma compreensão mais profunda dos desafios transfronteiriços inerentes a um sistema financeiro mais baseado no mercado”, concluiu Shin, em conversa com jornalistas.