Um disparo interrompe o tranquilo sono de uma foca-leopardo na Antártica. O pesquisador Diego Mojica baixa sua arma, se aproxima da plataforma de gelo flutuante e coleta uma pequena amostra de pele do animal para analisar, posteriormente, se há vestígios prejudiciais de mercúrio.

O mamífero, um dos maiores predadores do “continente branco” – junto com as orcas – mal se move, devido ao impacto da biópsia remota.

O biólogo marinho colombiano desce do barco na Ilha Livingston, se aproxima do pedaço de gelo e recupera o dardo vermelho que contém os poucos centímetros de pele da foca.

Uma equipe da AFP acompanha o dia de pesquisa entre os icebergs. Mojica se diz emocionado, pois é incomum encontrar uma foca-leopardo a tão poucos metros, uma espécie geralmente solitária e agressiva que se alimenta de pinguins.

Ele sempre carrega uma espingarda de ar comprimido, adaptada para esse tipo de estudo científico.

Nos confins da Antártica, o especialista analisa os níveis de concentração de mercúrio utilizado pelo homem a milhares de quilômetros, em atividades como mineração artesanal e industrial. Posteriormente, examinará as amostras coletadas junto com colegas de estudos em Bogotá e na França.

Esse metal pesado é prejudicial à saúde e chegou ao mar através da corrente dos rios, ou porque foi “volatilizado na atmosfera e, posteriormente”, acabou nos oceanos “através das precipitações”, explica Mojica, tripulante da ‘X Expedição Antártica da Colômbia’.

Não faltam motivos para chegar nessa conclusão. Na década passada, cientistas da Universidade espanhola de Múrcia encontraram mercúrio nas penas de pinguins-de-barbicha na Ilha Rei Jorge, o ponto mais próximo entre a Antártida e a América.

A mancha de contaminação parece se estender para o sul na Ilha Livingston e no Estreito de Gerlache, um canal natural cheio de fauna, onde Mojica também trabalha.

– De elo em elo –

A Associação Mundial sobre o Mercúrio da ONU alerta que os mamíferos marinhos “são especialmente suscetíveis à contaminação” por esse metal, que se torna líquido em temperatura ambiente, pois estão “no topo da cadeia alimentar”.

Mojica ocasionalmente deixa o gigante ARC Simón Bolívar, o navio da Marinha da Colômbia que leva vários pesquisadores colombianos e de outras nacionalidades até a Antártida, para inspecionar, de barco, os paraísos de gelo e neve – pouco explorados pelo homem.

Em uma dessas excursões, o cientista se viu rodeado por baleias-jubarte. Quando os gigantes cetáceos exibiram as costas ou a cauda fora da água, ele sacou novamente sua espingarda, tomando cuidado em apontar diagonalmente, diante do forte movimento causado pelas ondas.

O projétil provoca apenas um arranhão de poucos centímetros nos animais. Na última oportunidade, Mojica utilizou uma rede para coletar as amostras superficiais de pele e gordura que ficaram flutuando no Oceano Antártico. As jubartes consomem grandes quantidades de krill, crustáceos suscetíveis à contaminação por mercúrio.

Com a análise de equipamentos sofisticados, esses fragmentos ajudarão a determinar “se, de fato, essa bioacumulação (do metal) passou para um efeito de biomagnificação, ou seja, se esse mercúrio foi transmitido de elo em elo” da cadeia alimentar, explica Mojica.

Segundo o escritório da ONU, se um animal consome mercúrio, ele pode sofrer “falhas reprodutivas, mudanças de comportamento e até” morrer.

Em 2013, 140 países assinaram em Kumamoto (Japão) a Convenção de Minamata sobre proteção à saúde humana e ao meio ambiente contra o metal.

Os países do acordo, vários deles com bases científicas na Antártida, estabeleceram a data-limite de 2032 para acabar com o uso de mercúrio na mineração.

“Queremos contribuir com nossa parte para poder, na medida do possível, (propor) medidas plausíveis para a conservação e proteção desses mamíferos carismáticos”, defendeu Mojica.

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