Bienal de Arquitetura de Veneza: contra a morte pelo calor

Bienal de Arquitetura de Veneza: contra a morte pelo calor

"ImagemEm 2022 calor excessivo matou mais de 60 mil na Europa. Importante mostra internacional convoca arquitetos e urbanistas a agir pelo clima, com ajuda de ciências, artes e todas as formas possíveis de inteligência.Sejam tempestades ou calor exagerado, enchentes ou secas, há muito os eventos meteorológicos extremos deixaram de ser raridade, por todo o planeta. Na Europa, o continente que se aquece mais rápido devido às mudanças climáticas causadas pela ação humana, morreram em 2022 mais de 60 mil pessoas dos efeitos do calor.

A maioria já portava alguma pré-morbidade, porém as temperaturas altas sobrecarregaram ainda mais seus organismos. No ano seguinte, o mais quente desde os primeiros registros meteorológicos, houve mais de 47 mil mortes devido ao calor.

São números que também os arquitetos e urbanistas não podem mais ignorar: "Para confrontar um mundo em chamas, a arquitetura deve empregar toda a inteligência à nossa volta", urge Carlo Ratti, curador da 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza: o mundo da construção precisa apresentar resultados, não algum dia, mas já!

Um tanto laborioso, o slogan "Intelligens. Natural. Artificial. Collective" explicita a ideia por trás da atual mostra: o mundo construído precisa ser reexaminado. Para tal, todo o setor, desde a indústria de construção ao planejamento de cidades e edifícios, deve concentrar suas forças e sobretudo o seu saber.

Todas as gerações e todas as disciplinas estão convocadas para o debate, tanto as ciências naturais quanto as artes. Motivos para tal, não faltam: com o avanço das mudanças climáticas, cresce o número dos dias quentes e, consequentemente, os riscos para a saúde humana, em especial nas cidades, onde vive a metade da população mundial.

"Estamos lentos demais"

O hiperaquecimento das megalópoles é uma das maiores preocupações, pelo fato de grande parte do solo delas estar selada. Praças, estacionamentos, entradas de garagem e outras superfícies são pavimentadas, cimentadas ou asfaltadas; não há suficientes árvores para fornecer sombra e refrescar as cidades; superfícies escuras acumulam o calor do dia.

Assim formam-se ilhas de calor, o espaço urbano se hiperaquece. Além disso, as áreas seladas impedem o escoamento das chuvas fortes, canalizações colapsam: forma-se um círculo vicioso. O que fazer, então?

"Os problemas são conhecidos, as soluções há muito estão ‘sobre a mesa'", lembra o diretor do Museu Alemão de Arquitetura de Frankfurt, Peter Cachola Schmal, "mas falta implementação. Nós estamos lentos demais." Como exemplo, ele cita a praça Paul Arnsberg, do bairro de Ostend, antes temida por seu clima de forno.

Após replanejamento e reestruturação, canteiros com plantas e jovens árvores pontuam o mar de placas de concreto. Segundo a prefeitura de Frankfurt, trata-se de uma "adaptação climática urgentemente necessária". O arquiteto Schmal ainda não está convencido, para ele não passa de uma meia medida: "Sim, as arvorezinhas vão fazer bastante sombra… daqui a 30 anos."

"Teste de estresse" no pavilhão alemão

Não há dúvida: adaptação climática é o imperativo do momento, e para isso tanto as municipalidades como os cidadãos por vezes se dispõem a gastar altas somas. Mas o que realmente falta são decisões rápidas e antiburocráticas. Como se fez, por exemplo, em Paris, onde o calor causou um número especialmente grande de mortes.

A prefeita Anne Hidalgo reagiu com uma reformulação radical do trânsito parisiense: na zona do centro o tráfego automobilístico é agora limitado, as taxas de estacionamento para antiecológicos SUVs os foram triplicadas, estacionamentos de rua foram despavimentados em massa e transformados em áreas verdes respirantes. Na capital francesa, as medidas provocaram ira cidadã, mais em nível europeu Hidalgo recebeu forte aplauso.

Também em caráter pioneiro, outras metrópoles, como Copenhague ou Roterdã, se transmutam em "cidades-esponjas" à prova de temporais: em vez de a água das chuvas ser canalizada e desviada, áreas verdes e alagadas a absorvem.

A professora de tecnologia de edifícios Elisabeth Endres, da Universidade de Braunschweig, reivindica nada menos do que uma "reviravolta da construção". Juntamente com os arquitetos Daniele Santucci e Nicola Borgmann, e a paisagista Gabriele G. Kiefer, ela coordenou a exposição da Alemanha na atual Bienal de Arquitetura. Quem adentra o pavilhão alemão no Lido de Veneza sente no próprio corpo o futuro clima urbano: quente, abafado, perigoso.

A mostra imersiva, denominada Stresstest, é acompanhada por uma colagem cinematográfica, material de informação abundante e obras de arte – entre as quais um vídeo de Christoph Brech, no qual um sino soa como advertência.

Sofrimento como impulso à ação climática

Mas parece que muitos já entenderam a mensagem. Em Frankfurt, defensores do clima de diversas idades se uniram para praticar "agricultura urbana". Na qualidade de autointituladas/os "GemüseheldInnen" (heróis/heroínas dos legumes), cultivam as rotundas e outras áreas livres, plantando frutas e outros vegetais comestíveis.

Já há um bom tempo a arquitetura pró-clima é também tema para mostras abrangentes, como Architecture and energy – Construindo em tempos de mudança climática, em que, a partir de junho, o Museu de Arquitetura de Frankfurt apresentará uma série de projetos bem-sucedidos.

A 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, "Intelligens. Natural. Artificial. Collective", começou em 10 de maio a vai até 23 de novembro de 2025. Ela bastará como impulso para a grande guinada climática? "O empurrão vai vir automaticamente", assegura a curadora Endres, para quem os números e prognósticos falam por si. "Nós vamos sofrer", e onde a pressão da dor é forte o suficiente, age-se depressa. "As cidades que se prepararam bem vão se sair bem. Outras, não."

A co-curadora Nicola Borgmann, diretora da Galeria de Arquitetura de Munique, complementa: "A esperança de que algo se movimente está lá. Só que é para ser muito mais rápido, senão dentro de algumas décadas as cidades europeias vão estar inabitáveis."