Andrés Rueda vai entrar em 2023 no seu último ano de mandato na presidência do Santos, cargo que assumiu em janeiro de 2021. De lá para cá, sua gestão ficou marcada pelo rigor com as contas do clube, mas também pela rotatividade de técnicos e executivos no departamento de futebol, deixando torcedores com um pé atrás quanto à sua capacidade de manter uma equipe competitiva. O Santos ocupa atualmente a 12ª colocação no Brasileirão e mantém vivo o sonho de terminar a competição no G-8 para conquistar uma vaga na Copa Libertadores.

A boa fase sob o comando do técnico Orlando Ribeiro foi antecedida por uma maré de resultados ruins, fazendo com que o clube flertasse com a zona de rebaixamento e caísse ainda nas oitavas de final da Copa Sul-Americana. O desempenho ruim culminou com a demissão do treinador argentino Fabián Bustos e do executivo de futebol Edu Dracena.

Para reformular o departamento de futebol, o Santos contratou Lisca para o cargo de treinador, e Newton Drummond, o Chumbinho, para a função de executivo. Ambos não ficaram muito tempo na Vila. Enquanto o técnico ficou apenas oito jogos, com somente 37,5% de aproveitamento, Chumbinho permaneceu pouco mais de um mês, deixando o clube após não conseguir atender às demandas de Rueda, que negociou pessoalmente algumas das contratações santistas na janela, com a do meia-atacante Luan, ex-Corinthians.

À frente das negociações por um treinador, Rueda não conseguiu emplacar o nome de Vanderlei Luxemburgo, campeão brasileiro pelo Santos em 2004, levantando dúvidas sobre quem realmente dá as cartas. Em entrevista ao Estadão, o presidente santista esclarece como as decisões são tomadas internamente, detalha a negociação frustrada por Luxemburgo e revela conversa franca que teve com o técnico argentino Marcelo Bielsa.

Desde agosto você tem acumulado a função que era do Chumbinho, mas também sabemos da existência dos outros membros do Comitê de Gestão, que está no Estatuto do Clube. Afinal, como as decisões referentes ao departamento de futebol estão sendo tomadas?

A gente tem toda uma infraestrutura, com parte médica, jurídica e de informação, que funciona independentemente de quem seja o gerente de futebol. (O momento) Está um pouquinho estável e, por isso, decidimos não colocar nenhum elemento novo até o fim do ano. E não é que estou acumulando função. Simplesmente minha presença física está centralizada no CT, onde tem uma proximidade enorme com jogadores e a comissão técnica. Sobre contratações, tanto para técnico quanto para diretor de futebol, a gente faz um trabalho muito similar ao que fazemos com o jogador, de analisar o currículo com os nossos dados. Para (o contrato) ser definido, é levado ao convite de gestão. Nosso estatuto diz que as decisões são colegiadas e o que a maioria decidir o presidente vai executar. A gente critica muito no Brasil que a lei não é cumprida e fiz questão da nossa gestão realmente executar o que diz o estatuto.

Vocês vão definir o nome do novo executivo antes do novo treinador?

Pode acontecer. Temos buscado descaracterizar a maneira como o futebol era levado no Santos, colocando em prática uma série de processos e regras comportamentais. O diretor de futebol não pode ser o todo poderoso, inclusive para a definição de técnico. Até porque entram vários componentes, como o financeiro, que extrapolam a vontade do diretor.

Desde o início da sua gestão, houve muitas mudanças não só no cargo de executivo (Ximenes, Mazzuco, Dracena e Chumbinho), mas também de treinador. Na sua avaliação, por que houve essa rotatividade?

Infelizmente os resultados dentro de campo não foram os planejados e esse Comitê de Gestão prefere errar por ação do que por omissão. O Comitê de Gestão não tem medo de mudança. Se alguma coisa não está boa, a gente tenta corrigir.

Em uma entrevista ao GE, o diretor Chumbinho disse que foi demitido injustamente depois de ser acusado de levar vantagens em negociações do clube. Isso é verdade?

Não sou leviano de dizer que teve vantagem ou não. Não fiz a acusação. Mas se isso aconteceu, é um problema de ética. Inadmissível em qualquer empresa. Mas o perfil dele não se encaixava dentro do que espero de um diretor. E vida que segue.

A demissão do Lisca teve a ver com a saída de Chumbinho?

Absolutamente nada. O Lisca não foi trazido pelo Chumbinho e sim pelo Comitê de Gestão.

Antes de o Lisca sair, você garantiu que ele continuaria para 2023. O que fez o senhor mudar de ideia?

Quando contrato um treinador, não contrato para ele ficar dois ou três meses. Contrato para ficar até o fim da nossa gestão. Infelizmente, os resultados em campo não foram o que a gente imaginava, e a torcida fez uma pressão grande em cima do Lisca, que também não se sentiu confortável. Naquele momento, a continuidade dele seria ruim tanto para ele quanto para o Santos.

E o nome de Vanderlei Luxemburgo, como chegou à mesa e por que não foi para frente?

Através da nossa área de scout, tenho mapeado treinadores daqui e de mais onde você possa imaginar. Naquele momento (após a saída do Lisca), com o Brasileirão andando e com a ética de não ir atrás de técnico empregado, no meu entendimento, quem se encaixava perfeitamente era o Luxemburgo. Eu conversei com ele, sim. Não chegamos a falar nada de contrato ou parte financeira. Só dei a ideia, perguntei se ele teria interesse, quais as pretensões dele quanto ao clube. Eu disse o que gostaria da sua volta. Depois da conversa, achei que seria um bom nome e levei para o Comitê de Gestão. Analisamos os prós e contras, cada um se manifestou e o nome dele não foi aprovado.

Você conversou com o Luxemburgo sobre ele assumir alguma outra função no departamento de futebol?

A ideia era assumir como técnico até o fim do Brasileirão, e depois a gente iria discutir uma eventual participação na parte executiva. A minha ideia e a dele eram essa.

E por que o Luxemburgo, um treinador que quase se enveredou para a política recentemente?

Nosso time naquele momento era uma equipe em formação, com muitos jogadores jovens. Buscamos trazer atletas com mais experiência. Minha ideia era simples. Era de que ele colocasse um pouquinho mais de fogo no pessoal. Com a experiência que ele tem de mesclar, achei que naquele momento poderia ser uma boa opção para o clube.

Temos exemplos de alguns clubes na Série A que não demitiram seus treinadores e hoje colhem frutos, como Fortaleza e Botafogo. Você se arrepende da demissão de algum treinador da sua gestão?

Não dá para se arrepender do que já está feito. Se eu pudesse voltar atrás, seria mais prudente com a saída do Fábio Carille. A saída dele se deu muito mais por um problema de comunicação entre ele e a área executiva. Ele é uma pessoa muito inteligente, principalmente na parte tática, e pegou um período em que a gente estava com um plantel mais deficiente do que estamos agora.

Em algum momento você achou que o estilo de jogo do Carille não foi condizente com o que o torcedor espera do Santos?

Não acho. A maioria dos treinadores de sucesso montam um time com matéria-prima. Naquele momento, o Carille não tinha muitas alternativas. O elenco era curto, até pela questão financeira do clube.

Os rumores sobre a possibilidade de contratação do Bielsa tinham fundamento?

Sim. Eu conversei muito com o Bielsa (técnico argentino). Fiquei mais de quatro horas conversando com ele e entendi porque ele é considerado um professor. É uma pessoa magnífica. Aprendi muito com ele. O que me deixou muito orgulhoso foi falar que o Santos é “histórico”. É uma pessoa com uma visão de futebol incrível.

Sua gestão se notabilizou pela responsabilidade financeira. No que diz respeito a valores, era possível ir atrás do Bielsa?

A conversa sobre ele vir ou não vir acabou com ele falando “presidente, depois desse trabalho brilhante na área financeira para recuperar um clube que estava numa situação de insolvência, eu sou um técnico caríssimo. Eu entro para disputar títulos e preciso de jogadores que custam caro. Vocês não vão conseguir me entregar o que preciso. E, se conseguirem, vão quebrar o clube”. Foi uma conversa franca. Ele pediu para continuar no caminho em que estamos pois vamos colher frutos lá na frente.

Como avalia o trabalho do Orlando Ribeiro?

Ele não foi uma aposta. Já conhecia o trabalho dele na base, tem um currículo vitorioso. Está fazendo um trabalho fantástico. Ele tem um grande futuro como técnico.

Existe a possibilidade de efetivação?

Isso depende do Comitê de Gestão e o que a gente vai planejar para 2023…

Como foi a conversa com o Corinthians para o empréstimo do Luan?

A vinda do Luan foi um projeto desenhado em cinco minutos por mim e pelo Duílio (Monteiro Alves) lá na Federação Paulista de Futebol. Falei para ele “vamos levá-lo para o Santos?”. Chegamos em um acordo para recuperar o jogador e o cidadão Luan, que estava em ostracismo. Deixamos claro que esse trabalho ia depender 99% deles. Ele é uma pessoa muito carinhosa. Se dedica muito. É o primeiro a chegar e o último a sair. Está se empenhando bastante. Eu tenho certeza que, para ele, essa experiência está sendo muito boa.

Atualmente, qual é a dívida total do Santos?

A dívida é de R$ 450 milhões. É uma dívida administrável. O problema não é o valor, mas como ela está composta. Porém, desse montante, R$ 70 milhões são acordos que precisam ser honrados a curto prazo. Tem um prazo no regime de centralização de dívidas, que são R$ 80 milhões, e o resto é dívida a longo prazo, como o Profut e impostos com a Receita. Não vejo a hora de falar que aquela dívida monstruosa com o Cueva está liquidada…

Os salários dos jogadores estão em dia?

Recebemos os jogadores com quatro meses de salário e 13º atrasados. Nesses quase 20 meses não atrasamos nenhum mês. Somente no mês passado demos uma escorregada porque o dinheiro da venda do Kayque, que contávamos com ele até dezembro, foi bloqueado pelo fisco espanhol por causa de um imposto que o Santos não pagou por causa da venda do Neymar.

Está no horizonte do Santos adotar o modelo de SAF para o futebol?

A gente é obrigado a acompanhar o que está acontecendo. A opinião dessa gestão é de que não é o caminho ideal. Uma coisa é você vender para um comprador. Outra coisa é você ter um parceiro, um investidor, que ajude com o capital. Com o resultado positivo, ele tem o lucro. É muito duro você pegar uma instituição com 110 anos, erguida com o sofrimento dos seus sócios, torcedores e da própria sociedade e, por causa de más gestões, vender para fazer o clube competitivo. Nossa ideia é ter um parceiro que ajude, tenha o seu lucro, mas que os sócios continuem tendo uma participação grande como donos.

O Santos busca hoje um investidor que possa ajudar o clube financeiramente para ser competitivo?

A gente não para. Nosso dia a dia é ir atrás de investidores, parcerias e patrocínios.