O convite de Joe Biden para que Lula visite a Casa Branca ainda em dezembro, ou no máximo em janeiro, é revelador: os EUA têm pressa. A retomada da aliança com o Brasil é estratégica para os americanos, que precisam de parcerias em um cenário internacional cada vez mais complexo.

Não à toa o presidente americano já se mostrava preocupado com a radicalização brasileira, a ponto de enviar John Burns, diretor-geral da CIA, a Brasília, em 2021 e 2022. Em julho deste ano, a Conferência de Ministros de Defesa das Américas, na cidade, contou com Lloyd Austin, representante dos EUA.

Biden foi um dos primeiros líderes mundiais a saudar Lula pela vitória em outubro, reiterando a confiança no processo eleitoral brasileiro. E agora, no último dia 5, foi a vez de Jack Sullivan, conselheiro de Segurança de Biden, vir se encontrar com Lula e confirmar o convite para a ida a Washington, em meio à conversa sobre questões climáticas e geopolíticas, combate à pobreza e apoio para o Brasil assumir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Essa ciranda de secretários enviados por Biden atesta que a visita de Jack Sullivan não foi pontual, destaca Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB. Para ele, o presidente americano “passou da apreensão ao desenho de uma agenda de trabalho com estratégia comum”. Rodrigo Amaral, professor da mesma área na PUC-SP, ainda observa que esse encontro em Brasília estava programado para 15 minutos, mas teve seu tempo quadruplicado.Biden conta com a ajuda de Lula para frear o extremismo no mundo

O convite a Lula para ir a Washington antes mesmo de ser empossado atesta a prioridade de Biden. Dezembro deve ser reservado para um tour de cortesia a Argentina, Chile, Colômbia, valorizando a América do Sul, acredita Goulart. A visita aos EUA ficaria para depois da posse, em 1º de janeiro, quando Lula já viajaria com ministros definidos da Economia, Justiça, Casa Civil e Defesa. Mais que isso: “Os dois estariam conversando de chefe de Estado para chefe de Estado”. De toda forma, na avaliação do professor, essa abertura na agenda do presidente americano é impressionante. Por isso, não descarta a vinda do próprio Biden à posse de Lula, como se começa a cogitar: “Seria um recado ainda mais forte à extrema-direita. Para não deixar dúvidas”.

EM PAUTA

ONU
Assento permanente para o Brasil
no Conselho de Segurança

Clima
Compromissos de proteção ambiental e mudanças climáticas

Extrema-Direita
Freio ao avanço de radicais pelo mundo e defesa da democracia

Venezuela e Haiti
Apoio nas relações dos EUA
com a América do Sul e
reativação das missões de paz

Alianças
Incremento nas relações comerciais e combate à pobreza

Convites
Para a posse de Lula e
para uma audiência com
Biden na Casa Branca

Para os EUA, que ao longo dos anos 1990 e 2000 foram perdendo espaço ideológico e cultural no mundo, além de “território comercial” para a China (hoje a principal parceira do Brasil), é importante promover uma virada no chamado “sul global”, diz Rodrigo Amaral. Segundo ele, o realinhamento com Lula, até para desenvolver mecanismos conjuntos contra a extrema-direita internacional, será um tema constante na agenda dos dois países.

Historicamente, o Brasil preserva a neutralidade em seus princípios da política externa, mas mantém uma espécie de “neutralismo participativo”, na definição do professor, “como na mediação do acordo nuclear entre o Irã e os EUA”, no segundo governo Lula.

Com uma agenda propositiva, pode voltar às missões de paz no Haiti e ajudar os EUA a reativar relações, especialmente com a Venezuela, que tem no seu petróleo um alvo vital de interesse americano. “Além disso, temas globais como as mudanças climáticas são de primeira ordem para o Brasil retomar sua condição no cenário internacional, propondo soluções”, diz Amaral.

Se o grande interesse de Biden pelo Brasil é cristalino, a recíproca não é necessariamente verdadeira. Ainda não está clara qual será a política externa de Lula. O ex-chanceler Celso Amorim, que deve ocupar um cargo de confiança no Planalto, é conhecido por defender uma linha antiamericana e mais ideológica, de união dos países latino-americanos e em desenvolvimento. Mais pragmático, o senador Jacques Wagner, que pode até ocupar esse cargo no próximo governo, defende um alinhamento maior com os EUA.

Essa dupla visão, inclusive, é responsável por uma tensão nos bastidores do grupo de transição, o que pode levar ao adiamento da visita de Lula. O petista certamente vai procurar uma relação próxima com a maior potência do mundo, mas o nível de intimidade ainda é uma questão em aberto.