Burgos, na Espanha, está em êxtase há mais de uma semana. A equipe da cidade, o Hereda San Pablo, conquistou a Liga dos Campeões da Europa, torneio que rivaliza com a Euroliga, ao derrotar o AEK, da Grécia, em Atenas. O título foi o primeiro do clube fundado em 2015. Entre os jogadores do elenco está um paulista de Rio Claro. Trata-se de Vitor Benite.

Aos 30 anos, o armador vive um momento especial na carreira. Ele encontrou em Burgos uma cidade para chamar de sua e uma equipe para assumir o papel de líder e capitão após conquistar tudo que podia no basquete brasileiro. Antes de ser campeão europeu, Benite havia sido um dos responsáveis por levar o time à semifinal da Liga Endesa, o Campeonato Espanhol, na retomada da modalidade após o período de paralisação por causa da pandemia do novo coronavírus, com média de 16,5 pontos por jogo.

Em meio aos festejos pela conquista do título e aos jogos da nova temporada espanhola, em que o Burgos conquistou quatro vitórias em cinco jogos e aparece na terceira colocação, Benite concedeu entrevista ao Estadão para falar sobre o feito da equipe e diversos assuntos, inclusive sobre o técnico argentino Rubén Magnano, que mais uma vez culpou a falta de comprometimento dos mais jovens por seu insucesso na seleção brasileira.

Qual é o significado deste título?

É uma conquista histórica. É o meu primeiro título na Europa. Também é o primeiro título da história do clube, que é novo e muito ambicioso. Em apenas cinco anos conseguiu esta importante taça. Isso mostra que temos uma enorme capacidade de crescer. É um momento muito especial que precisa ser aproveitado porque não é fácil. Existem outros clubes com anos e anos de estrada e que nunca conseguiram um título tão importante. Não tem preço você colocar o seu nome na história, fazer parte de tudo isso.

Como foi o retorno para Burgos?

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Maravilhoso. Infelizmente estamos neste momento de pandemia, tudo precisa ser um pouco mais controlado. Mas eu nunca vi uma cidade tão apaixonada por um clube. Uma torcida sempre positiva, sempre lotando o ginásio (antes do início da pandemia), sem importar se o time está indo bem ou não. Um ambiente familiar. A recepção foi muito calorosa, o que dá ainda mais vontade de seguir construindo esta história.

Você jogou em Franca, uma cidade que respira basquete, o sentimento das pessoas é parecido?

Franca é uma cidade que realmente as pessoas conhecem o jogo, gostam do time, apoiam… Burgos tem uma relação grande com o basquete. Claro que Franca tem uma história muito mais longa, até porque somos um clube novo. A torcida é apaixonada, mas tem um respeito enorme com os jogadores, com os times rivais. Você vê muitas famílias, crianças, um ambiente exemplar. Isso é muito bonito. A cidade tem uma maneira diferente de se portar em relação aos eventos esportivos e isso tem de servir de exemplo para muitas torcidas.

E sua relação com Burgos? Você chegou em dezembro em 2018 e agora renovou por mais duas temporadas…

Fui recebido de uma maneira excepcional. Sempre fizeram me sentir em casa. Tenho uma boa relação com todos, desde o presidente e até os funcionários que trabalham no clube. Me sinto muito feliz com isso. Sou capitão da equipe, tenho uma responsabilidade enorme, mas tenho um respeito muito grande. Isso, lógico, me deixa feliz e me ajuda em me manter com ambição em contribuir com o crescimento do clube.

Como tem sido esta retomada do basquete ainda em meio à pandemia do coronavírus?

Está sendo muito boa. O fato de ter chance de trabalhar, jogar, estar com os outros jogadores, fazer o que você está habituado traz uma energia muito boa. É diferente, lógico, mas todos nós estamos muito felizes de fazer o que mais amamos novamente.

Os jogadores se sentem 100% seguros?

Posso responder por mim e eu me sinto seguro. É uma situação extraordinária que estamos vivendo. Temos de nos adaptar como pessoas, afrontar esta situação. Tentar voltar aos poucos a fazer o que sabemos, o que é o nosso trabalho, sempre com muito cuidado. Mas eu vejo que todos estão se sentindo bem, os protocolos são respeitados e deixamos na mão daqueles que conhecem mais para nos ajudar.

Como é jogar sem público? E qual sua opinião sobre o possível retorno?

É uma situação diferente. O esporte é feito para o público. Mas, como eu disse, todos temos de nos adaptar. O público não pode estar conosco no ginásio, mas pode assistir pela tevê. É algo temporário, temos de aguentar este período da forma mais positiva possível. O retorno não depende dos jogadores. As pessoas que estudam se é seguro que precisam tomar esta decisão. Acho que não cabe nem opinar neste momento. Espero e torço que isso se resolva o quanto antes.


Falando agora de seleção brasileira, qual é a sua expectativa para o Pré-Olímpico depois de tudo que aconteceu por causa da pandemia?

Depende muito do que vai acontecer com os jogadores da NBA, como será o calendário deles, já que isso pode desfalcar muitas equipes. Mas temos uma expectativa alta, temos um grupo excelente de jogadores e pessoas. A meta é sempre fazer o melhor e classificar. Mas ainda está longe, temos de pensar com calma, elaborar um planejamento, mas sempre com ambição de chegar lá e conseguir esta vaga.

Conversou com o Petrovic, técnico da seleção, neste período? Como ele tem trabalhado com os jogadores?

Falei algumas poucas vezes. É um cara muito próximo dos jogadores, quer sempre saber se estamos bem, se estamos treinando. Isso é importante. O planejamento está um pouco mais devagar porque esta situação ainda é incerta. Mas logo isso vai caminhar.

Recentemente, Leandrinho se aposentou. Aos poucos, é o fim de uma geração que você e outros chegaram para substituir. Como avalia esse processo de renovação e por que acredita que existe um hiato enorme da sua geração para a próxima, de Didi, Yago, Caboclo, com quase dez anos de janela?

Essa geração que está chegando tem muito talento, jogadores com muita personalidade, caráter e isso é importante. Estou no meio das gerações, entre esses jovens e aqueles que estão se aposentando aos poucos. É o processo correto de renovação. Você não pode sair de uma geração e já entrar em outra muito mais jovem. Você precisa ter jogadores já com uma certa experiência para ajudar aqueles que estão chegando. É um pouco da minha função, do meu papel. Esta mescla é sempre muito positiva.

O Rubén Magnano, com quem você trabalhou na seleção, reafirmou que faltou comprometido para os mais jovens para o sucesso do Brasil com ele. Como vê toda essa discussão que de tempos em tempos reaparece?

A primeira vez que ele deu essa declaração, ele ligou para mim e para outros jogadores para tentar explicar um pouco o que ele quis dizer. Na posição dele, sempre que colocar isso em público, vai gerar uma discussão. Sou o primeiro a dizer que comprometimento é essencial. É difícil você afirmar que faltou comprometimento para os mais jovens. É uma situação que vem de cima, uma filosofia que precisa ser criada na seleção brasileira, uma filosofia do técnico, dos diretores, do presidente… Você precisa ter isso para que o jovem possa chegar e se adaptar. Eu definitivamente não acredito que falta comprometimento, ainda mais dos jovens, que querem se provar, vão dar mais do que 100% para se manter naquele ambiente. É uma discussão que ele precisa explicar realmente o que ele quer dizer. Fica muito aberto e difícil de comentar sobre o assunto.

Neste ciclo com o Magnano, você esteve nos Jogos do Rio, em 2016, mas ficou fora em Londres quando havia ajudado na classificação após 16 anos. É uma frustração que ainda carrega?

Nunca carreguei esta frustração. Doeu muito ficar fora da Olimpíada. Mas serviu de combustível para outras realizações e conquistas na minha carreira. Você sempre aprende algo nas frustrações como atleta e geralmente é neste tipo de situação que você vê a força que tem. Doeu na época, muito, era um sonho. Mas serviu de combustível para o que eu sou hoje e a personalidade que eu tenho.

Você é uma pessoa engajada e recentemente participou de uma campanha para que as jogadoras de basquete tenham os mesmos direitos dos homens. A igualdade de gênero é algo realmente muito difícil de acontecer?

Eu espero que não. Sou um cara muito positivo. Se todos queremos e estamos engajados nisso, não tem porque não acontecer o quanto antes. Eu sempre tive como um dos meus maiores ídolos no esporte a Magic Paula. O basquete feminino sempre foi um orgulho para mim como brasileiro e sempre vai ser. O respeito, o tratamento precisa ser igual porque é uma coisa humana. Vai muito além de medalhas e títulos. É algo básico que todos precisam ter. É uma luta de todos nós para uma sociedade mais justa, melhor, e que funciona da maneira ideal.


Como viu as manifestações dos atletas da NBA contra o racismo e outras questões sociais, chegando a boicotar um jogo?

Achei excelente, maravilhoso, este posicionamento forte dos jogadores e que a NBA, uma organização tão grande, tenha apoiado e ajudado. A chave está nesta maneira de falar sobre estas questões tão difíceis. Este apoio entre grandes organizações, atletas e pessoas é importante para colocar estas pautas em destaque. O que as pessoas precisam é ter informação, estudar, só assim vamos chegar em uma sociedade igualitária, uma sociedade onde todos têm uma oportunidade.


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