Em uma reação extraordinária contra o papa Francisco, alguns bispos católicos na África, na Polônia e em outros lugares dizem que não adotarão a nova política do Vaticano que permite bênçãos para casais homoafetivos.

Outros minimizaram a política aprovada por Francisco no mês passado, dizendo que ela simplesmente reafirma o ensinamento de longa data do Vaticano de que o casamento é uma união apenas entre um homem e uma mulher.

As reações mostram como a questão permanece polarizada, e como o esforço de uma década de Francisco para tornar a igreja um lugar mais acolhedor para a comunidade LGBTQ+ continua a despertar resistência entre os líderes católicos tradicionalistas e conservadores.

Algumas das respostas mais intensas vieram de bispos na África, onde vivem 265 milhões de católicos, quase um quarto do 1,3 bilhão de católicos no mundo. Muitos desses fiéis vivem em sociedades onde a homossexualidade é condenada e proibida, e suas igrejas atuam ali.

Dentre os 54 países do continente, 31 têm leis que criminalizam a homossexualidade, mais do que qualquer outro continente, segundo a organização Human Dignity Trust, que defende os direitos LGBTQ+.

A conferência dos bispos da Zâmbia declarou que as bênçãos para casais homoafetivos “não deveriam ser adotadas na Zâmbia”. A conferência dos bispos do Malawi disse que “bênçãos de qualquer tipo” para “uniões de qualquer tipo entre pessoas do mesmo sexo” não seriam permitidas.

Na Zâmbia, o sexo gay é punido com pena de prisão entre 15 anos e perpétua, e a lei o coloca na mesma seção da zoofilia. A legislação do Malawi prevê pena de até 14 anos de prisão para relações homossexuais, com a alternativa de castigos corporais para os condenados.

Os bispos da Zâmbia dizem que deveria haver “mais reflexão” sobre as bênçãos, e mencionam a legislação contra homossexualidade no país e a “herança cultural” que rejeita as relações homoafetivas como razões para sua decisão.

A conferência dos bispos da Polônia, uma das mais conservadoras da Europa, e considerada ponto de referência para além do continente por sua ligação com São João Paulo II, diz que não tem planos de oferecer bênçãos a casais do mesmo sexo.

A conferência afirmou que o casamento permanece sendo apenas a união entre um homem e uma mulher, e que os atos sexuais fora disso são “sempre uma ofensa à vontade de Deus”, segundo declaração do porta-voz, Rev. Leszek Gesiak.

Não é comum que uma conferência nacional de bispos inteira expresse publicamente sua divergência de uma política do Vaticano, embora a declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé não tenha instruído os bispos a permitirem bênçãos a uniões homoafetivas, mas simplesmente fornecido instruções de como elas poderiam ser realizadas, caso solicitadas pelas pessoas.

O documento, intitulado “Fiducia Supplicans”, diz que as bênçãos podem ser oferecidas a pessoas em relações homoafetivas desde que não sejam confundidas com o ritual do casamento, e reafirmou que o casamento é uma união vitalícia apenas entre um homem e uma mulher.

O anúncio feito pelo Vaticano reverteu a declaração de 2021 que descartava a possibilidade de bênçãos a casais do mesmo sexo porque Deus “não pode abençoar o pecado”.

A conferência dos bispos dos EUA, buscando minimizar qualquer mudança, destacou em um comunicado que a doutrina da igreja sobre o casamento não mudou, e que o anúncio “articulou uma distinção entre bênçãos litúrgicas (sacramentais) e bênçãos pastorais, que podem ser dadas a pessoas que desejam a graça do amor de Deus em suas vidas”.

Parte da oposição mais acirrada veio dos críticos habituais de Francisco.

O cardeal alemão Gerhard Müller, que anteriormente chefiava o Dicastério da Doutrina da Fé, diz que a declaração foi “autocontraditória”, pois ainda dizia que as relações homoafetivas eram contrárias à lei de Deus, ao mesmo tempo em que permitiam a esses casais receberem uma bênção.

“A igreja não pode celebrar uma coisa e ensinar outra”, escreveu Müller em um ensaio publicado em meios de comunicação religiosos.

O bispo cazaque Athanasius Schneider, que há muito tempo se opõe à tendência progressista de Francisco, chamou a nova política de “grande enganação”. Os sacerdotes deveriam estar conscientes do “mal que reside na própria permissão de abençoar casais em situação irregular e casais homoafetivos”, disse.

Ele e o arcebispo cazaque Tomash Peta disseram em um comunicado no site da revista Catholic Herald que haviam proibido os padres em sua arquidiocese de realizaram “qualquer tipo de bênção” para casais homoafetivos.

As conferências dos bispos e os líderes religiosos da Nigéria, de Gana, do Quênia, de Madagascar e da África do Sul também divulgaram comunicados, a maioria procurando esclarecer a confusão que teriam percebido entre seu rebanho, sobre a possibilidade de que a nova política fosse um reconhecimento oficial e uma aceitação das relações homoafetivas.

O sentimento predominante entre muitos era o receio de que a medida fosse um passo em direção à aceitação da homossexualidade pela Igreja Católica.

Os bispos da Nigéria disseram que teria havido diversas interpretações da política na Nigéria, o país mais populoso da África, onde vivem entre 20 e 30 milhões de católicos, e era preciso deixar claro que o documento do Vaticano não permite uma bênção e uma aceitação formal das relações homoafetivas.

“A Conferência dos Bispos Católicos da Nigéria assegura a todo o Povo de Deus que a doutrina da Igreja Católica sobre casamento permanece a mesma”, dizia o comunicado. “Não há, portanto, possibilidade na Igreja de abençoar uniões e atividades entre pessoas do mesmo sexo.”

Abbé Jean-Marie Djibo, padre da Arquidiocese de Bamako, no Mali, um país de maioria muçulmana na África Ocidental, diz que a Igreja Católica em seu país não seguiria nenhuma nova política, e gostaria que o Vaticano explicasse sua decisão.

“A igreja do Mali não concorda com a decisão do Vaticano relativa aos casais homossexuais, e os bispos e padres daqui estão convocando os fiéis da igreja para garantir a eles que a decisão não será aplicada”, diz. “Essa decisão diz respeito apenas ao Vaticano, não a nós.”

“Em sua mensagem, o Papa usou palavras codificadas que foram interpretadas de diversas maneiras, por isso queremos que ele nos esclareça esse posicionamento”, acrescentou Djibo.

No Reino Unido, uma organização que representa 500 padres católicos da Grã-Bretanha divulgou uma carta assinada reafirmando a doutrina da Igreja em relação ao casamento e às uniões homoafetivas, após “confusão generalizada”.

No Zimbábue, que também tem leis anti-homossexualidade, o ativista pelos direitos LGBTQ+ Chesterfield Samba diz não imaginar que a declaração mudaria alguma coisa para os casais homoafetivos do país, excluídos pela igreja. Diz ainda que esperava a resistência de alguns ramos da igreja.

A Conferência dos Bispos Católicos do Sul da África, sediada na África do Sul, onde uma constituição liberal permite o casamento homoafetivo, aparentemente recebeu com satisfação a perspectiva de abençoar casais homossexuais, como uma confirmação de que “ninguém está fora da graça de Deus”.

Acrescentou, porém, que sua interpretação da declaração era de que “a bênção seja dada com a esperança da conversão”.