HOLOGRAMAS Mark Zuckerberg em uma disputa de esgrima com adversário virtual: atividades físicas e encontros remotos (Crédito:Divulgação)

Calma, você em breve terá um avatar ou um holograma para chamar de seu. Há um novo mundo paralelo, imersivo e hiper-realista sendo construído velozmente na internet que atrai cada vez mais usuários, investidores e anunciantes e tende a se tornar popular globalmente ainda nesta década. É o chamado metaverso, que o Facebook transformou em estratégia de negócio e a Microsoft acredita que será o futuro das reuniões corporativas remotas. Trata-se de um mega ambiente virtual em 3D que está sendo erguido, de forma coletiva e simultaneamente, mas ainda longe da interoperabilidade, por várias grandes corporações, principalmente as dedicadas às mídias sociais e aos jogos online.

O que se busca é que cada vez mais pessoas não só naveguem na internet, mas a experimentem por dentro com seu personagem cibernético. Quem joga muito na rede já entende bem essa experiência e a situação só melhora com a chegada do 5G, que torna tudo mais natural e ajusta o tempo real. Nessa nova era tecnológica que se desenvolve, os usuários vão poder trabalhar, se relacionar com amigos, comprar roupas, viajar e ir a shows de maneira totalmente digital e com sensações instantâneas. Com óculos de realidade aumentada, luvas especiais ou mesmo sem qualquer parafernália, só com o celular ou o PC – tudo depende do nível da experiência que se busca e que se pode pagar – os humanos poderão circular e agir no metaverso do mesmo modo que fazem na sua cidade ou bairro. Ainda não se sabe que tipo de impacto psicológico isso trará nas pessoas e nem as questões éticas envolvidas, mas o segundo mundo tenta se impor, erguido em cima de hubs de entretenimento, embora ainda haja muito marketing em torno dele. O metaverso deve demorar cerca de uma década para se estruturar, mas plataformas imersivas que permitem viver uma vida paralela se espalham rapidamente, com grande utilização entre jovens e adultos. A pandemia fez muitas pessoas ficarem em casa jogando e só aumentou o interesse pelo assunto. Desenvolvedores de games, redes sociais e fabricantes de hardwares são os grandes atores do negócio. E as portas de entrada preferenciais são plataformas de games 3D, como o Roblox, Second Life, World of Warcraft (WoW) ou Horizon World, do Facebook, lançado em dezembro. Jogos como League of Legends, Fortnite, The Sandbox, Decentraland e Roleplay GTA, com servidores cada vez mais potentes, conseguem ampliar e diversificar seus ambientes digitais e suportam cada vez mais todo tipo de atividade comercial e social, com lojas, concertos ao vivo e vários tipos de projetos mirabolantes que misturam o real e o virtual.

“No mundo, 700 milhões de pessoas já usam efeitos de realidade aumentada no Facebook e no Instagram” Conrado Leister, diretor da Meta no Brasil

ESPAÇOS REAIS Negócios imobiliários na realidade paralela estão em alta: lojas e projetos arquitetônicos (Crédito:Divulgação)

Imersão nos games

O The Sandbox, por exemplo é um segundo mundo onde os jogadores podem construir, comprar e monetizar suas experiência por meio da criptomoeda Ethereum. Metaverso, criptomoedas e NFTs (tokens não-fungíveis), por sinal, têm tudo a ver neste novo universo. Dentro do metaverso, autenticidade de desenhos de produtos e de obras de arte, assim como direitos intelectuais são garantidos pelos NFTs. E as moedas correntes podem ser as cripto e o dinheiro convencional. Um dos jogos mais populares, principalmente entre crianças e adolescentes, é o Roblox. O nome significa, na verdade, uma plataforma de jogos online onde também é possível jogar o conteúdo criado por outros usuários ou até mesmo fazer você mesmo os seus próprios jogos, usando uma ferramenta própria da plataforma. O Roblox possui 500 mil criadores de experiências e 700 milhões de usuários ativos mensais. Se os jovens já estão desde cedo acostumados a ter essa experiência virtual compartilhada, é provável que não sintam estranhamento quando usarem normalmente esse universo em um futuro mercado de trabalho.

Outro jogo onde é possível ver o apelo do metaverso é o Fortnite, desenvolvido pela Epic Games. Com diferentes mundos, permite a interação entre jogadores e revolucionou por trazer shows de grandes artistas – com a “skin” característica do jogo – de uma maneira que nunca tinha sido feita antes.

A apresentação ao vivo do rapper norte-americano Travis Scott atraiu 14 milhões de fãs. No Brasil, o rapper Emicida foi o primeiro artista brasileiro a se apresentar dentro do jogo, o show foi exibido por 72 horas entre os dias 29 de abril e 02 de maio. A apresentação fez parte de uma estratégia da Epic Games chamada Onda Sonora que levou artistas do mundo inteiro para cantar dentro do jogo. O Facebook lançou comercialmente em dezembro a sua plataforma para o metaverso, a Horizon Worlds, disponível apenas para usuários dos Estados Unidos e acessíveis por meio dos óculos de realidade aumentada da empresa, o Meta Quest, cuja última versão chega a custar R$ 3,5 mil no Brasil.

Esse público de jogos é cada vez maior e relevante. No Brasil, um levantamento realizado pelo instituto Kantar Ibope Media no final do ano passado revela que 6% dos brasileiros que usam a internet, quase 5 milhões de pessoas, já frequentam alguma plataforma. A Pesquisa Game Brasil (PGB), desenvolvida pelo Sioux Group e Go Gamers, em parceria com Blend New Research e ESPM, mostra que o brasileiro nunca jogou tanto como agora. Isso porque o número de pessoas que se divertem através dos jogos eletrônicos continua crescendo. Segundo o levantamento, 74,5% da população diz jogar games. Isso significa que três em cada quatro pessoas no Brasil usam celulares, videogames ou computadores para jogar. Para chegar a esse dado, a pesquisa ouviu 13 mil pessoas em 26 estados e o Distrito Federal entre os dias 11 de fevereiro e 7 de março.

O conceito de metaverso surgiu em 1992 no livro de ficção científica “Snow Crash”, de Neal Stephenson, que criou um espaço virtual compatível com uma segunda realidade. Já a experiência pioneira de criação de um ambiente digital imersivo na internet com uso de avatares aconteceu em 2003, com o surgimento do jogo Second Life, que gerou grande expectativa na época, existe até hoje e propõe uma vida paralela no ambiente virtual em que se pode encontrar os amigos, comprar terrenos, ir a shows e desfiles de moda. O negócio perdeu relevância porque não haviam redes robustas e nem capacidade de processamento para sustentá-lo. Cada passo do avatar demorava cinco minutos. Nesse meio tempo, os jogos só evoluíram. E no ano passado, o conceito foi para as bolsas de valores quando o Facebook, que controla também o Instagram e o WhatsApp, decidiu direcionar sua estratégia totalmente para o metaverso, mudando inclusive o nome da empresa para Meta.

O diretor-geral da Meta no Brasil, Conrado Leister, afirma que o metaverso será construído ao longo dos próximos anos. “Muito da tecnologia e infraestrutura necessária para que ele atinja todo seu potencial ainda deverá ser desenvolvida”, diz. Leister diz que as experiências de realidade aumentada, como os filtros em fotos e vídeos, são uma porta de entrada para o metaverso. “Em todo o mundo, mais de 700 milhões de pessoas já usam efeitos de realidade aumentada todos os meses no Facebook e Instagram”, diz. Já um ambiente único – onde todos os universos, marcas e experiências se encontram – deve acontecer de forma gradual. Para Leister, “o metaverso será uma construção conjunta e a Meta não o construirá sozinha. Desenvolver o metaverso será similar ao processo que levou à criação da internet, e não ao lançamento de aplicativos individuais. E isso exigirá padrões abertos e de interoperabilidade que permitam navegar entre diferentes experiências de forma simples e sem atritos”.

“Dentro de dois ou três anos, prevejo que a maioria das reuniões virtuais irá para o metaverso” Bill Gates, fundador da Microsoft (Crédito:Divulgação)

A Microsoft, dona do jogo de tiros Call of Duty e do Minecraft e uma das três maiores do mercado de games, junto com a NetEase, a Nintendo e a Roblox, também passou a apostar firme na nova plataforma não só no mercado doméstico, mas também no corporativo. O fundador da empresa, Bill Gates, é otimista. “Dentro de dois ou três anos, prevejo que a maioria das reuniões virtuais deixará de acontecer com imagens de câmeras em um grid 2D e irá para o metaverso, um espaço 3D com avatares digitais”, diz Gates. Não é exagero. A Prefeitura de Uberlândia (MG), por exemplo, já realiza reuniões com avatares. A relação entre médicos e pacientes e a educação também avançam pelo metaverso. A empresa brasileira MedRoom é uma startup responsável pela criação de ambientes de realidade virtual para hospitais e instituições de ensino e atua no mundo paralelo. “Aposto na virtualização de quase todas as experiências sociais e você poderá usar um aplicativo de celular para entrar no metaverso, sem precisar obrigatoriamente de óculo VR para estar dentro”, diz Vinícius Gusmão, presidente da MedRoom.

Já há, por exemplo, um mercado imobiliário aquecido no metaverso. Na semana passada, a Yuga Labs vendeu 55 mil lotes de um terreno virtual por US$ 5,8 mil a unidade e arrecadou US$ 320 milhões, no que foi considerada a maior transação já realizada com criptomoedas. A aquisição faz parte do desenvolvimento do game Otherside, onde os jogadores usarão seus terrenos para interagir com outros usuários. Terrenos estão sendo comprados para a construção de casas, lojas da rede McDonald’s e, inclusive, embaixadas. Há dois meses a empresa americana Republic Realm divulgou um acordo de compra de terrenos digitais no The Sandbox por US$ 4,3 milhões. Na mesma época, a empresa de criptomoedas Tokens comprou um terreno por US$ 2,4 milhões na Decentraland, onde o governo de Barbados anunciou um projeto de instalação de uma embaixada no metaverso.

LUXO A grife italiana Gucci está nos principais jogos: trajes digitais e filtros para as redes sociais (Crédito:Divulgação)

Apesar de parecer um sonho distante, os hardwares, softwares e serviços associados ao metaverso, por conta dos milhões de jogadores, movimentaram cerca de US$ 500 bilhões globalmente em 2020 e vão girar US$ 800 bilhões em 2024, segundo a Bloomberg Intelligence. O metaverso é a convergência dos mundos físico e digital e faz parte do novo salto evolutivo da internet com o uso de tecnologia 3D em tempo real. É, possivelmente, a maior oportunidade atual para o entretenimento online e para companhias de mídias sociais. Para o CEO da startup VR Monkey, Pedro Kayatt, o mundo dos games está invadindo a realidade e sua capacidade de atração de usuários para o metaverso é muito grande. Só um jogo com World of Warcraft tem uma comunidade de 50 milhões de pessoas. “É o equivalente à população de um país como a Itália”, diz. É dentro desses ambientes que usuários precoces já fazem diversas transações como comprar roupas de grife – como da Gucci – para seus avatares e adquirir imóveis pensando em fazer transações digitais. Mas a pergunta que fica é quando o metaverso deixará de ser associado ao mundo dos nerds de videogame e passará a ser usado por todos? Para Kayatt, a construção das experiências do metaverso caminha para que ele seja gratuito, de certa forma, e acessível a todos. “Quando a Apple lançar os seus próprios óculos de realidade aumentada, as pessoas que compram os aparelhos da marca devem adotar o produto em suas vidas”, aposta. Mesmo que não tenham o metaverso como prioridade todas as empresas de tecnologia estão de olho no seu potencial.