Nos tempos atuais, em que reinam de forma absoluta as redes sociais, eis que muitos jovens dizem ter descoberto uma forma criativa de quebrar a rotina: escrever cartas como se fazia no passado. Isso significa que eles abandonaram de vez as conexões tecnológicas? Deram um solene adeus às plataformas digitais? Não, a coisa também não é bem assim, não chega a esse ponto — até porque muitos deles, em todo o País, postam as correspondências, que escrevem e recebem, em seus respectivos canais.

Mais: valem-se da internet para reunir orientações de como se deve escrever uma carta. Ou seja, como é o padrão dessa tendência: é de bom tom, em primeiro lugar, cumprimentar educadamente o destinatário, e, imediatamente, apresentar-se sem esquecer de colocar idade, endereço, ocupação principal na vida e quais as atividades nos momentos de descanso e descontração. A internet ajuda também a descobrir quem está disposto a receber e a escrever. Apesar do auxílio das ferramentas tecnológicas, é inegável, no entanto, que há algo de inovador transitando no território brasileiro. E inspirado numa das mais antigas formas de comunicação.

Quem sabe a juventude tenha se cansado do oco kkk. Escrever uma carta envolve mais sentimentos. É de fato um tempo dedicado para outra pessoa

ALEGRIA Material de escrita do Envelope de Papel: capricho e sofisticação para enfeitar a correspondência (Crédito:instagram)

Ida ao correio

No Brasil já milhares de adeptos, e a mestranda em literatura, Carolina Santiago, 23 anos, pontua de forma objetiva e inteligente esse ato de escrever: “É uma forma de se desligar do ambiente veloz. É bom parar, sentar e escrever para produzir uma coisa à mão. Depois, é preciso sair, ir aos Correios e esperar pela resposta”. Ela conclui: “Sai do contexto atual em que tudo é correria”. Não deixa de ser surpreendente alguém tão jovem falar em “ir aos Correios” em vez de tocar no comando que envia mensagens pelo Whatsapp. Há quem já tivesse o costume de trocar correspondências, abandonou-o, e, agora, até estimulado pela possibilidade de exercer um hobby, retornou à caneta e ao papel. Lygea de Souza Ramos, 36 anos, compõe esse perfil. Cartas na adolescência, tecnologia e só tecnologia na juventude e início da vida adulta, até que em 2017 bateu a saudade das missivas. “Telefone, e-mail, é tudo muito imediatista. Não tem aquele tempo de elaboração como a carta possui”, diz ela. “Escrever cartas é uma forma de demonstrar carinho”.

A antropologia social e a sociologia ensinam que, no campo do comportamento, nada se joga fora definitivamente — muito menos a internet, é claro. Ela vai crescer cada vez mais. Tanto é assim que absorveu a tendência e já existem sites especializados no incentivo ao retorno à letra à mão. É o caso do Envelope de Papel (o nome é culto, original e romântico), montado pela publicitária Mariana Loureiro, 23 anos. “Comecei um grupo de cartas, passei a receber algumas e a me identificar com esse mundo”, diz ela. Com certeza, até recentemente, se um jovem encontrasse na rua um amigo, também jovem, e lhe perguntasse onde estava indo, ficaria incréduto se a resposta fosse: “até os Correios para enviar uma carta”. Hoje, grupos deles se reúnem e vão juntos postar as suas mensagens. É óbvio que não haveria muita graça, nem sentido, se a juventude voltasse a escrever como nos tempos de seus bisavós – ou seja, nada de “espero que essa lhe encontre bem” ou “escrevo essas mal traçadas linhas…”. Em qualquer atividade cria-se novidades, e um fato que traduz alegria é que muitas dessas cartas são escritas com letras coloridas de diversas cores, combinam-se letras cursivas com letras de forma, e vale enfeitar o papel com adesivos e desenhos.

Como toda tendência sempre contempla o mercado, já são vistas papelarias, cujos proprietários assistiam aos seus negócios minguarem no dia a dia, especializando-se na venda de material — e muitos apostam que o negócio crescerá cada vez mais. “É uma boa resposta para essa época de fake news. Os jovens são espertos e sempre do bem. Ninguém vai espalhar notícias falsas ou ofensas numa carta”, diz o comerciante Joaquim Cohen. Não há a menor dúvida de que ele tem razão. Escrever uma carta é dar um tempo maior de si mesmo para outra pessoa. Existem sentimentos de verdade nessa retomada de comunicação. Além disso, talvez a juventude tenha finalmente se cansado do oco kkk.