Em um mundo onde a busca pela saúde e bem-estar ganha cada vez mais destaque, muitos olham para a cirurgia bariátrica como uma possível solução para problemas relacionados à obesidade. Esse procedimento, embora cada vez mais comum, ainda levanta muitas dúvidas e inseguranças nos pacientes e em seus familiares. Por isso, decidimos conversar com um dos renomados especialistas na área, o Dr. Mariano Menezes, para esclarecer as principais questões sobre essa cirurgia transformadora. Aqui, ele nos guia através do processo, aborda preocupações frequentes e nos dá um olhar profissional sobre quem é o candidato ideal para o procedimento. Se você já se perguntou sobre os riscos, benefícios e pós-operatório da cirurgia bariátrica, continue lendo para descobrir as respostas.

 

Fabrício Machado (FM):  O que é uma cirurgia bariátrica e para quem ela é recomendada?

Mariano Menezes (MM): Cirurgia bariátrica é um procedimento cirúrgico que modifica a anatomia gastrointestinal para promover a perda de peso. Há também a cirurgia metabólica, que, além da redução do peso, tem como objetivo a melhora das doenças metabólicas, como diabetes tipo 2.

O Ministério da Saúde e a Agência de Saúde Suplementar (ANS) recomendam a cirurgia bariátrica para pessoas com obesidade grave, caracterizada por um índice de massa corporal (IMC) muito alto – geralmente acima de 40 ou acima de 35 se houver complicações de saúde associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia ou apneia do sono.

 

FM: Quais são os diferentes tipos de cirurgia bariátrica e como cada um deles funciona?

MM: Mais do que simplesmente reduzir a quantidade de comida ingerida e a absorção dos alimentos, a cirurgia bariátrica promove alterações hormonais que, de certa forma, quebram a fisiopatologia da obesidade. Isso ocorre através de um melhor controle dos mecanismos de fome e saciedade, potencializando o metabolismo dos hormônios catabólicos e anabólicos, proporcionando um ambiente metabólico favorável à perda de peso e ao controle das doenças associadas à obesidade.

Existem diversas técnicas cirúrgicas, todas com mecanismos próprios e relativamente parecidos. No Brasil, as duas técnicas mais utilizadas são a Derivação Gástrica em Y-de-Roux (Bypass Gástrico) e a Gastrectomia Vertical (Sleeve Gástrico).

No Bypass Gástrico, além da redução de 90% da capacidade do estômago, é feita uma derivação intestinal, que é a principal responsável pelas alterações hormonais nessa cirurgia. No Sleeve Gástrico, cerca de 80% do volume do estômago é retirado, deixando-o com aspecto tubular e com uma capacidade de armazenamento reduzida a 10%. De forma geral, quanto mais metabólico for o indivíduo, maior é a necessidade de realizar uma derivação intestinal associada à redução gástrica.

 

FM: Como um paciente pode saber se ele é um bom candidato para essa cirurgia?

MM: O primeiro passo é o indivíduo reconhecer-se como obeso e abandonar a ideia de ser um “gordinho saudável”. Não existe obesidade saudável, pois é uma doença crônica, progressiva e de difícil tratamento, com alta tendência de recidiva.

O segundo passo é buscar um tratamento adequado, que envolva uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos, entre outros. A complexidade da obesidade requer abordagens diversas para o controle dessa condição.

A cirurgia bariátrica é uma opção terapêutica que essa equipe de profissionais pode oferecer para o tratamento, sendo a mais efetiva e segura para indivíduos com obesidade grave.

 

FM: Quais são os riscos e benefícios associados a essa cirurgia?

MM: Os riscos da cirurgia bariátrica incluem complicações cirúrgicas, como vazamentos de conteúdo gastrointestinal (fístulas), sangramentos e infecções, além de complicações clínicas relacionadas à obesidade, como tromboses e infecções respiratórias. No entanto, avanços tecnológicos e cuidados multidisciplinares têm tornado o procedimento muito seguro, com baixas taxas de complicações (cerca de 2%) e mortalidade (menor que 0,1%), especialmente em centros especializados no tratamento da obesidade.

O tratamento cirúrgico da obesidade vai além do peso na balança. Seus benefícios estão relacionados a um estilo de vida saudável, melhora na qualidade de vida e controle das doenças associadas à obesidade. Tudo isso aliado a uma perda de peso de aproximadamente 40%.

 

FM: Como é o processo de preparação para uma cirurgia bariátrica?

MM: Esse processo passa por um acompanhamento e avaliação clínica multidisciplinar, com endocrinologista, cardiologista, psicólogo e nutricionista. É durante esse seguimento que serão avaliadas as possibilidades, os riscos e os benefícios da cirurgia bariátrica, e para esse fim são realizados exames de sangue, ultrassonografia de abdômen e endoscopia digestiva alta. Caso o paciente apresente alguma doença específica, outros exames podem ser necessários.

É durante a fase de preparação que são apresentadas e discutidas com o paciente as mudanças e a rotina necessárias para um bom resultado do tratamento.

 

FM: Como é o período de recuperação após a cirurgia e que tipo de acompanhamento é necessário?

MM: Com a evolução dos cuidados perioperatórios e, principalmente, com o avanço dos procedimentos cirúrgicos de forma minimamente invasiva, por via laparoscópica e robótica, a recuperação desses pacientes passou a ser muito tranquila, apesar de estarmos lidando com uma cirurgia extremamente complexa e com um indivíduo gravemente doente. Atualmente, o tempo cirúrgico em nosso serviço é em torno de 90 minutos, o tempo de internação é de 36 horas e o período de afastamento das atividades laborais é de 15 dias, podendo ser estendido conforme a ocupação individual.

Em casa, eles recebem orientações nutricionais quanto à dieta, e nessa fase, a consistência dos alimentos é de fundamental importância, pois a progressão do líquido para pastoso e depois sólido acompanha as fases da cicatrização do estômago. Por volta de 30 a 40 dias, o paciente volta a consumir a dieta de consistência normal.

Não é recomendado o repouso absoluto. Esses pacientes são orientados por fisioterapeutas e educadores físicos a realizar atividades físicas leves e uma caminhada de até 30 minutos por dia, com o objetivo de estabelecer uma rotina inicial de prática desportiva regular e com o intuito de prevenir complicações clínicas.

 

FM: Muitas pessoas têm a ideia de que a cirurgia bariátrica é uma “solução rápida” para a perda de peso. Você poderia explicar por que essa visão pode ser enganosa?

MM: A obesidade é uma doença crônica, e o seu tratamento também deve ser contínuo, com o objetivo de reduzir a gordura corporal, processo esse que é lento e gradual. A perda de peso, ou seja, a redução dos dígitos na balança, não significa necessariamente emagrecimento. Por isso, qualquer tratamento para a obesidade deve ser realizado de forma duradoura e baseado em uma mudança no estilo de vida, com foco em orientação nutricional, prática esportiva regular e acompanhamento clínico multidisciplinar.

 

FM: Que tipos de mudanças no estilo de vida um paciente precisará fazer após a cirurgia bariátrica?

MM: É muito difícil pedir a uma pessoa com 150 kg que realize atividades físicas intensas de forma regular e siga um plano alimentar. É nesse momento que a cirurgia bariátrica entra em cena, funcionando como um potencializador das mudanças de vida para esse indivíduo.

Como já mencionado, a cirurgia promove alterações hormonais que interrompem o ciclo da obesidade e, no sistema de controle da fome, proporciona aos pacientes uma maior saciedade, tornando a orientação nutricional que busca, em geral, hábitos alimentares saudáveis mais viável e eficaz. Além disso, torna-se necessária a suplementação de proteínas, minerais e vitaminas.

Outro aspecto relevante é a prática regular de atividades físicas intensas, seguindo as diretrizes preconizadas pela OMS, que recomenda 240 minutos semanais. O objetivo principal dessa atividade é o ganho ou até mesmo a manutenção da massa muscular, ficando a perda de peso em segundo plano. A cirurgia auxilia na perda de peso, que é significativa já nos primeiros meses após o procedimento, o que torna os movimentos e a intensidade dessas atividades mais efetivos, potencializando assim seus efeitos.

E não menos importante, é essencial manter um acompanhamento clínico com médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e fisioterapeutas, a fim de orientar e proporcionar uma melhor qualidade de vida.

 

FM: Como é a questão da alimentação após a cirurgia? Existem restrições?

MM: Dentro de um plano alimentar saudável, não haverá restrições. O que não pode acontecer é o paciente voltar a ter os hábitos que anteriormente o prejudicaram, levando-o a um estado de grave doença. Por isso, o acompanhamento com nutricionista e psicólogo é fundamental para auxiliar nesse processo de mudança, libertando-o daquilo que não faz bem.

 

FM: Que tipo de apoio emocional é recomendado para pacientes que passam por essa cirurgia?

MM: O suporte e a orientação psicológica são oferecidos a todos os pacientes que serão submetidos à cirurgia bariátrica, devido às mudanças fisiológicas, de hábitos, comportamento e imagem corporal, a fim de que se tornem aptos a conviver com essa nova vida. Aqueles pacientes que apresentam doenças e distúrbios psiquiátricos necessitarão, além desse suporte, da psicoterapia.

 

FM: Quais são algumas histórias de sucesso que você pode compartilhar sobre pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica?

MM: Primeiramente, gostaria de dizer que a cirurgia bariátrica é o tratamento com o melhor custo-efetividade, com uma eficácia superior a 85%. A taxa de perda de peso em 2 anos é de 35-40% e, em 5 anos, de 25-30%, com um índice de falha menor que 15% no tratamento da obesidade grave. Além disso, está associada a uma melhor qualidade de vida e um controle mais efetivo das doenças relacionadas.

Tenho inúmeras histórias, mas compartilharei esta, pois esse paciente se tornou um grande amigo: o Emerson, que me autorizou a contar sua jornada. Em 2017, ele me procurou devido à obesidade grave, dislipidemia e gordura no fígado. Após um acompanhamento multidisciplinar, indicamos a cirurgia em 2018, quando ele pesava quase 140 kg. Após a cirurgia, ele continuou com o acompanhamento multidisciplinar, iniciou a prática esportiva diária e fez da alimentação saudável uma rotina em sua vida.

Ele já praticou ciclismo, crossfit e atualmente frequenta a academia diariamente. Tive a oportunidade de pedalar com ele algumas vezes. Lembro-me quando ele me marcou em uma de suas publicações, pois havia superado seu peso pré-operatório em uma atividade de crossfit. Hoje, frequentamos a academia no mesmo lugar e, às vezes, nos mesmos horários. Atualmente, ele pesa 99 kg, possui uma massa magra de 47 kg e uma porcentagem de gordura corporal de 19%. Um verdadeiro “case” de sucesso, com controle da obesidade e das doenças associadas, mas, mais do que isso, é o resgate da qualidade de vida e bem-estar para uma pessoa jovem e cheia de disposição.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.