Sempre fui fiel à ordem e combinação dos alimento, pois, intuitivamente, antes de estudar sobre glicemia, acreditava que “a ordem dos fatores” alterava, e muito, o produto.

E sim, vários estudos mostram que tanto a ordem quanto a combinação dos alimentos que consumimos em nossas refeições são capazes de influenciar na glicemia (glicose no sangue) após uma refeição.

Diferença entre índice glicêmico e carga glicêmica

Os carboidratos presentes nos alimentos, após serem digeridos e absorvidos, elevam a glicose no sangue e, consequentemente, estimulam a liberação da insulina. Esse hormônio é responsável por regular vários processos em nosso organismo, como a utilização da glicose como energia ou o seu armazenamento, em forma de glicogênio (hepático e muscular) e gordura corporal. Além disso, picos e quedas na glicemia, podem influenciar na sensação de fome.

Alguns alimentos apresentam a capacidade de elevar a glicemia mais do que outros, e isso ocorre devido à qualidade e a quantidade do carboidrato presente em sua composição. 

Neste contexto, temos a definição de dois termos que classificam os alimentos de acordo com a sua capacidade em elevar a glicose sanguínea:

  • Índice glicêmico. É a capacidade que uma porção de alimento contendo 50 gramas de carboidratos tem de elevar a glicemia. Portanto, refere-se a um indicador qualitativo do carboidrato dos alimentos, que indica sua capacidade em elevar mais ou menos a glicose no sangue. 
  • Carga glicêmica. O termo foi proposto posteriormente, e se refere ao efeito glicêmico do alimento em relação ao carboidrato presente em uma porção de alimento tipicamente consumida. Portanto, é considerado um indicador qualitativo e quantitativo de carboidrato

A diferença básica entre índice e carga glicêmica está na quantidade de carboidrato analisada. Enquanto o índice glicêmico reflete o efeito de 50 gramas de carboidrato de um alimento, a carga glicêmica se refere ao efeito proveniente do conteúdo de carboidrato presente em uma porção ingerida normalmente pela população. 

E qual a influência da glicemia no peso? 

Alguns estudos indicam que, em longo prazo, uma alimentação com elevada carga glicêmica pode levar ao desenvolvimento de diabetes, doenças cardiovasculares e depressão. A insulina é um dos hormônios responsáveis pelo acúmulo de gordura no nosso corpo. Logo, o consumo excessivo de alimentos de alto índice glicêmico, que elevam rapidamente a glicemia e a liberação deste hormônio, pode propiciar o aumento da gordura corporal e exigir um trabalho excessivo do pâncreas (que produz insulina), podendo levar ao seu futuro comprometimento e desenvolvimento de resistência à insulina e diabetes.

Além disso, as concentrações elevadas de insulina reduzem o funcionamento dos mecanismos de queima de gordura do corpo, promovendo o seu acúmulo e dificultando a perda de peso. Estudos reforçam que há uma influência direta da ingestão de alimentos ricos em carboidratos com alto índice glicêmico (IG), produzindo uma resposta glicêmica elevada, promovendo a oxidação pós-prandial de carboidratos em detrimento da oxidação de gordura, alterando assim a partição de combustível de uma forma que pode levar ao ganho de gordura. 

Pensando em benefícios de dietas com baixo índice e carga glicêmica, estudos científicos clínicos apontam que ajudam no controle da hemoglobina glicada em pacientes portadores de diabetes do tipo 1 e tipo 2, e na redução na chance de excesso de peso e câncer. Além disso, podem melhorar o controle do peso, porque promovem a saciedade, minimizam a secreção de insulina pós-prandial e mantêm a sensibilidade à insulina. 

Quando escolhemos nossos alimento, além da qualidade e quantidade, é importante nos atentarmos em evitar alimentos que façam picos glicêmicos e priorizar alimentos integrais ricos em fibras, micronutrientes, ômega-3 e probióticos. Já os macronutrientes são capazes de prolongar o tempo de esvaziamento gástrico, impedindo picos glicêmicos.

E como a ordem e a combinação pode influenciar na glicemia? 

Alguns estudos mostram que a glicemia pós-refeição pode melhorar dependendo da ordem dos alimentos ingeridos. Começando com vegetais e alimentos proteicos e depois ingerindo os carboidratos, os participantes dos estudos experimentaram uma melhora significativa na glicemia pós-prandial (aumento do nível de glicose na corrente sanguínea cerca de 10 minutos após uma refeição). Esse simples ajuste da ordem alimentar fornece às pessoas que vivem com diabetes, por exemplo, uma ferramenta fácil para atingir as metas de controle da glicemia.

No estudo publicado no Diabetes Care, os indivíduos foram alimentados com a mesma refeição de frango grelhado, pão ciabatta, suco de laranja, alface e salada de tomate, além de brócolis cozido no vapor com manteiga, em dois dias diferentes. Os pesquisadores mediram os níveis de glicose e insulina antes da ingestão de alimentos e 30, 60 e 120 minutos após o início da refeição.

Quando os vegetais e as proteínas foram consumidos primeiro, antes dos carboidratos, em comparação com a ordem inversa dos alimentos, houve uma diminuição de 28,6% na glicemia média pós-refeição. Os autores concluíram que a sequência temporal da ingestão de carboidratos durante uma refeição tem um impacto significativo no nível pós-prandial de glicose e insulina.

Em outro estudo, os participantes consumiram a mesma refeição durante 3 dias, alterando os três tipos de alimentos separados: carboidratos, proteínas e vegetais (fibras).

Tal como no estudo anterior, os investigadores descobriram que embora todas as concentrações basais de glicose em jejum fossem semelhantes, os níveis de glicose diminuíram 30 e 60 minutos após a primeira ingestão de proteínas e vegetais.

Além disso, a primeira refeição com vegetais resultou em níveis mais baixos de glicose aos 30 e 60 minutos do que a primeira refeição com carboidratos. Os pesquisadores descobriram que o padrão de primeira refeição com vegetais e proteínas o nível de insulina foi 43,8% menor do que para o pedido de primeira refeição com carboidratos.

Um estudo de 2020, descobriu que o sequenciamento das refeições, consumindo especificamente proteínas antes dos carboidratos, promove a secreção precoce do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1). Este hormônio reduz a secreção de insulina e glucagon. A combinação desses fatores demonstrou melhorar as respostas de glicose pós-prandial. O GLP-1 também demonstrou suprimir o apetite, porque retarda o esvaziamento gástrico, mantendo a sensação de saciedade por mais tempo. Por esse motivo, o sequenciamento das refeições pode ajudar a melhorar as oscilações da glicose e a gerenciar valores mais estáveis.

Por isso, quando escolhemos os alimentos e os colocamos na ordem correta, podemos controlar as curvas glicêmicas e desfrutar de diversos benefícios, como maior saciedade, redução do risco de doenças metabólicas, controle do peso, dentre outros.

Outro ponto importante é combinar os alimentos em uma refeição.  

Por exemplo, quando combinamos proteínas e carboidratos elevamos menos a glicemia (do que quando consumimos o carboidrato separado). Esse efeito ocorre, pois as proteínas e gorduras levam ao atraso no esvaziamento do estômago, estimulando a liberação de hormônios que aumentam a liberação de insulina e com isso a absorção da glicose é lentificada. O resultado é a diminuição do pico glicêmico após a refeição.

 

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

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