O mercado de bebidas tradicionalmente alcoólicas em versões livres da substância vem crescendo, e a consultoria britânica IWSR já prevê aumento do mercado em 31% até 2024. Além da restrição estrita de grupos óbvios — gestantes, lactantes, religiosos, enfermos e abstêmios em geral —, a preocupação com a saúde e o excesso de calorias, bem como o cuidado no volante e a percepção do exagero durante a pandemia estimulam a retração.

Se a oferta de cervejas, vinhos e espumantes brasileiros sem álcool ainda é tímida, alguns entraves maiores dificultam o avanço da produção de uísque, rum, gim, conhaque e vodca “alcohol free” em solo nacional.

“O que precisa mudar são a legislação e a tributação, sobretudo estadual. Em lugar de ter mais vantagens, é mais fácil vender bebidas alcoólicas”, diz Leandro Valente Simões, proprietário do Empório Sem Álcool, em São Paulo. Há mais de duas décadas no mercado, foi um dos pioneiros a distribuir o tipo de bebida em todo o País.

É preciso compreender que a coquetelaria está em um contexto não só da indústria do álcool, mas também de pequenos produtores — e da preservação da natureza, saúde e bem-estar.”
Néli Pereira, mixologista

Qualidade sensorial

Com a chegada de novos consumidores e de uma coquetelaria mais interessante, mudam também as expectativas. Somado ao aumento da procura por industrializados, a busca por drinques do tipo que fogem ao óbvio suscita a criatividade dos profissionais que comandam as coqueteleiras.

“É a preocupação de a pessoa se sentir introduzida naquele meio e poder discutir sobre o que ela está bebendo. Bebida é socialização”, diz Camila Carlos, chefe executiva do Giro Bar e CityLights, ambos em São Paulo.

No primeiro estabelecimento, os pedidos pelos tais “soft drinks” bateram recorde em fevereiro: das 560 unidades vendidas, 64 foram do Virgin Quero Quero, que leva maracujá com rapadura, limão e manjericão. Os clientes, segundo ela, são:
* mulheres,
* pessoas com alguma enfermidade,
* a turma fitness,
* a nova geração.

A variação de público leva à necessidade de inovação.

Beba sem moderação: bebidas e drinques sem álcool ganham terreno no Brasil
A bartender Camila Carlos e os drinques “alcohol free”: adaptações de Bloody Mary e Mojito, além do autoral Virgin Quero Quero, com maracujá, rapadura, limão e manjericão (Crédito: João castellano)

Excesso de gelo e açúcar, bolhas, xaropes industrializados e aparência divertida não bastam para os que precisam ou almejam os não-alcoólicos.

“Nem todo coquetel sem álcool precisa ser um refresco, você pode ter um que seja uma dose”, fala a mixologista Néli Pereira.

Diversos profissionais vêm se mobilizando para fortalecer o movimento, estudando, criando conteúdo e incluindo combinações novas em seus estabelecimentos. “Para mim, o oposto de uma coquetelaria com álcool é a de ingredientes, em que eles te conduzem pela bebida, tendo sabor, textura e apresentação”, complementa a pesquisadora, que também é ativista do consumo responsável de álcool.

“Há dificuldade de trabalhar com os sem álcool, porque muitos encaram a mixologia como uma mistura de bebidas alcoólicas, o que ainda é reforçado pela indústria.”
Mixologista Néli Pereira

Busca familiar

Há mais de 20 anos no mercado, o vinho sem álcool La Dorni está longe de parecer suco de uva. “É como uma rosa sem espinhos”, diz José Aparecido Martins, fundador e elaborador de vinhos na empresa.

Isso porque, ao contrário da bebida adocicada extraída das frutas cozidas, o tal vinho é feito da fermentação da fruta e do álcool, retirado posteriormente. São quatro rótulos da linha, sendo um deles o canônico, com aprovação da própria Igreja Católica. O público é diversificado e vai dos excluídos por razões de saúde aos que escolhem a abstemia por livre e espontânea vontade.

À bartender Camila não falta o desejo de trabalhar com destilados e fermentados não alcoólicos. “Imagina fazer um New York Sour sem álcool!”, comenta ela. No mínimo uma subversão.

Do outro lado do Atlântico, sem abrir mão dos efeitos da substância, o laboratório inglês Gaba Labs acaba de anunciar o lançamento da Sentia, uma bebida à base de plantas que leva ao estado de embriaguez.

De acordo com os criadores, um deles dedicado há mais de 30 anos a elaborar um remédio contra o alcoolismo, a composição só extrai o lado bom: permite relaxamento e sociabilidade, mas inibe desconforto físico e descontrole. A busca pelo conhecido uma hora bate à porta.