Fazem seis semanas que Donald Trump está de volta à Casa Branca. Seis semanas que já apontam claramente qual será a direção da política externa americana nos próximos quatro anos. Sob Trump, os Estados Unidos revitalizam suas relações com Moscou às custas de uma Ucrânia atacada pela Rússia. E em vez de envolver seus parceiros europeus nessa mudança de rota, o governo americano sublinha as diferenças nos valores que um dia compartilharam entre si.
“A UE foi criada para ferrar com os EUA”, disse Trump na última quarta-feira (26/02). Dois dias depois, ele e seu vice, JD Vance, bateram boca em público com Volodimir Zelenski. O presidente ucraniano, que estava na Casa Branca para assinar um acordo para exploração americana de terras raras em solo ucraniano, saiu de lá desmoralizado.
Fim de uma era?
O historiador Norbert Frei, da Universidade de Jena, vê nas atitudes de Trump o fim da ordem mundial surgida após a Segunda Guerra e uma cisão histórica equiparável ao colapso da União Soviética.
Para ele, é um sinal de que Trump quer partilhar o mundo entre ele, Putin e Xi Jinping, num “triunvirato global”. “O que Trump não quer aceitar é que os EUA estão lutando como uma potência decadente. E estão se livrando neste momento dos únicos reais aliados que têm: a Europa. E essa Europa agora está por conta própria”, afirmou à rádio Deutschlandfunk.
É também por isso que líderes europeus agora se reúnem em busca de respostas – após conversa em Londres neste domingo, eles devem voltar a se encontrar na próxima quinta-feira (06/03) numa cúpula extraordinária em Bruxelas.
“Espero que percebam que estamos aqui diante de uma clara mudança de rumo na política global”, diz à DW o cientista político Mikhail Alexseev, da San Diego State University. “A discussão no Salão Oval não foi só uma briga entre dois líderes. Ali há o sinal de que os EUA estão se movendo para longe da Europa. Não podemos mais dar como certas as garantias de segurança americana – não só para a Ucrânia, mas também para a Otan.”
Trump tem interesses econômicos em mente
Há um ano, quando ainda estava em campanha pela Casa Branca, Trump botou o compromisso dos americanos com a Otan em cheque ao sugerir que não acudiria membros da aliança militar que não gastam o suficiente com Defesa. O americano chegou até mesmo a dizer que “encorajaria a Rússia a fazer o que quisesse”.
Após vencer a eleição, ele exigiu dos europeus que passassem a investir 5% de seus PIBs em Defesa.
O clima de insegurança no cenário geopolítico é citado também por Laura von Daniels, diretora do grupo de pesquisa sobre os Estados Unidos da fundação alemã SWP. Mas, apesar disso, ela diz não ver um rompimento total nas relações transatlânticas.
“Acho que vai ser uma situação difícil, que ele também está disposto a prejudicar os interesses da União Europeia – tanto na política de segurança quanto econômica, por exemplo com as tarifas. Tudo isso é verdade. Mas também não é do interesse dele cortar todas as relações com a Europa do dia para a noite”, avalia.
Um exemplo dos interesses de Trump citado por von Daniels é o gás natural liquefeito americano: o americano vê na Europa o mercado consumidor mais importante dessa commodity. É de se esperar, por isso, que seu governo aumente a pressão. “Em 12 de março os EUA vão começar a taxar a importação de aço e alumínio”, cita. E a Europa deve se preparar nos próximos meses para mais tarifas sobre outros produtos que exporta para os EUA, como carros.
Com essas medidas, Trump quer equilibrar a balança comercial com a UE. Segundo dados americanos, em 2024 esse saldo foi negativo para os EUA, somando quase 1 trilhão de euros em bens e serviços importados do bloco.
Apesar disso, von Daniels diz que, no geral, a atual relação transatlântica é útil para Trump. O que não está claro, afirma, é se ele “ainda a define como uma aliança de valores ocidentais”.
Europa enfraquecida e partilha da Ucrânia
Para Sigmar Gabriel, ex-ministro do Exterior alemão de 2017 a 2018 que acompanhou parte do primeiro mandato de Trump, e um entusiasta das relações transatlânticas, o governo americano já não vê mais a Europa como aliada.
Trump já não teria mais nada em comum com a Europa, “pois sua visão de mundo é exatamente o oposto da nossa ideia europeia de cooperação internacional”, disse o social-democrata ao jornal alemão Augsburger Allgemeine. “Tenho certeza que ele quer enfraquecer ou até mesmo destruir a Europa, porque nós somos bem grandes quando nos mantemos unidos. E isso o incomoda.”
Ao comentar os planos de Trump e Putin para o fim do conflito na Ucrânia, Gabriel aludiu à Conferência de Yalta, em que EUA, União Soviética e Reino Unido decidiram sobre a partilha da Alemanha pouco antes do fim da Segunda Guerra: “Trump tem uma espécie de ‘Yalta 2.0’ na cabeça, em que os ‘valentões’ da política global traçam suas zonas de influência e os menores, que se virem.”
Para von Daniels, não está muito claro qual é o objetivo de Trump. Mas o bate-boca com Zelenski no Salão Oval da Casa Branca deixou claro que o americano vê a Ucrânia como um obstáculo às negociações diretas com Putin, afirma ela. O episódio, diz, lembra “o que conhecemos de chefes de Estado autoritários”.
Uma análise publicada após o entrevero pelo Instituto para Estudos da Guerra, em Washington, aponta que uma eventual suspensão da ajuda americana a Kiev aumentaria a “probabilidade de uma vitória russa” no conflito. Tal cenário poderia fortalecer Putin em seu objetivo estratégico de reivindicar para si o controle sobre outras ex-repúblicas soviéticas, como Estônia, Letônia e Lituânia – todas membros da UE e da Otan. Já os EUA, segundo o estudo, perderiam influência global.