A imagem que a posteridade retém de Jean-Michel Basquiat (1960-1988) é a do negro sem-teto que pichava muros e exerce influência sobre as novas gerações de grafiteiros e também a do gênio descoberto pelo rei da pop art Andy Warhol. O fato de ter morrido jovem, aos 27 anos, agregou um adicional trágico à reputação póstuma. Mas a única verdade no que foi escrito acima é que ele morreu de overdose no ápice de uma crise de inspiração, pois já não conseguia produzir as pinturas que o tornaram famoso em vida.

Painéis monumentais: “A linguiça do irmão” (1983), 122 x 476 cm

Quem visitar a retrospectiva “Jean-Michel Basquiat” no Centro Cultural Branco do Brasil de São Paulo, a partir de 25 de janeiro, vai descobrir o rosto e a obra reais do artista. Um rosto nada rebelde e uma obra hoje considerada um clássico do século 20.

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O rosto pertenceu ao jovem nascido no bairro do Brooklyn, de uma família de classe média alta — de ascendência afro-caribenha, de mãe porto-riquenha e pai haitiano — que fez pichação quando adolescente. Amou beldades e se devotou à autopromoção. Obteve a proteção de Warhol ao invadir um restaurante e lhe vender um cartão-postal. Ainda iniciante, sonhava em ser mestre da pintura. Sua fama de urban artist tem origem no projeto SAMO© (abreviatura de “same old shit”), nome que adotou com o parceiro Al Diaz entre 1977 e 1980 para pichar muros e paredes com frases poéticas — Basquiat se encarregava das palavras. “Ele sempre soube se vender”, diz o historiador de arte holandês Pieter Tjabbes, curador da exposição. “Escolhia os lugares da moda de Nova York que frequentava, como o Mudd Club, para chamar atenção.” No meio da década de 80, triunfou no meio artístico da cidade. Mas a fama de jovem dândi o prejudicou, porque os críticos passaram a subestimá-lo e, como resultado, saiu de moda. Morreu tentando recobrar a glória, mas as drogas terminaram o serviço que a crítica havia começado.

“Flash in Naples” (1983), 167 x 153 cm

“Recentemente sua obra se tornou canônica”, diz Tjabbes. “Ao contrário do que diz a lenda, Basquiat não foi grafiteiro. Suas telas imitavam o grafite. Cobiçava entrar na corrente principal, e conseguiu. Hoje é comparado a Picasso, Pollock e Warhol, não só pelo valor intrínseco dos quadros neoexpressionistas, mas por seu valor monetário. Eles atingiram preços altíssimos e os museus estão de olho em doações, pois não podem comprá-los.”

“Sem título” (1983), 182 x 183 cm

Para bilionários

O garoto mimado, que se vendeu como alternativo e se tornou um dos mais caros do mundo, é objeto de mostras recentes em Paris, Nova York e Londres. A cotação de suas peças subiu em 2016, quando o empresário japonês Yusaku Maezawa comprou a pequena tela “Sem título” (1982), por US$ 110 milhões em um leilão da Sotheby’s. Só bilionários podem comprá-las. A retrospectiva brasileira é baseada no acervo da coleção de um deles, José Mugrabi, empresário israelense radicado em Nova York considerado o maior colecionador mundial de Baquiat e Warhol. A mostra gratuita vai percorrer quatro cidades ao longo do ano. Permanece em São Paulo até 7 de abril e segue para Brasília (21/4 a 1º/7), Belo Horizonte (16/7 a 26/9) e Rio de Janeiro (12/10 a 8/1/2019). No CCBB-SP, ela ocupa os quatro andares com 80 peças, entre quadros, gravuras, pratos, esboços e desenhos. Os destaques são cinco painéis de até 5 metros de largura. “Basquiat foi o grande mestre da remixagem de elementos díspares”, afirma Tjabbes. “Seus quadros não têm centro e estão repletos de símbolos recorrentes, como o da coroa real, porque ele se imaginava um rei da arte.” Sem ter desejado, foi coroado soberano da urban art. Tanto que vários grafiteiros foram convidados para integrar a mostra com o tema Basquiat, para prestar reverência a Sua Alteza que,
se vivo, talvez os evitasse.