27/08/2021 - 9:30
Ele tinha 15 anos. Morava numa pequena cidade perto de Porto Alegre, de onde nunca saiu.
Garoto simples, filho de gente da roça, boa e ingênua.
Sua única conexão com o mundo exterior era a internet.
Passava horas nas redes sociais, principalmente Instagram, TikTok e WhatsApp. O WhatsApp não é exatamente uma rede social, mas vocês entenderam.
Na internet, ele podia ser qualquer pessoa e superar sua enorme timidez. Ela tinha 15 anos. Morava em São Paulo, Capital. Já viajou para mais países do que pode lembrar.
É filha de um casal de classe média alta.
Como ele, passa horas nas redes sociais. Apesar de inteligente e educada, também sofre com a timidez.
Timidez é um traço comum nessa idade. Se conheceram no Instagram, numa foto que ele postou de uma vaca parindo.
Ela nunca tinha visto uma vaca parir.
Ali começou a relação dos dois. Nos primeiros meses ele curtia e comentava todas as fotos que ela publicava. Ela idem.
Passaram para mensagens privadas, dentro do próprio aplicativo.
Foi ele quem sugeriu que fossem para o WhatsApp, a evolução de qualquer romance moderno.
Conversaram por dois anos. Dois. Anos. Texto e áudio.
Nunca fizeram uma única chamada de vídeo. A timidez não permitia a nenhum dos dois nem ao menos sugerir.
Ele queria muito conhecê-la. Ela também.
Mas o pai dela não deixaria que a filha viajasse para o fim do mundo no Rio Grande do Sul para conhecer um sujeito que conheceu na Internet. Não adiantava nem pedir.
Ele é que teria que vir a São Paulo.
Mas ele não tinha dinheiro. Nem sabia direito como pegar um ônibus para outro estado.
Pelas dúvidas, foi juntando o dinheiro que recebia em um ou outro trabalho que fazia para ajudar o pai.
Pesquisou a passagem de ônibus para São Paulo.
Só tinha dinheiro para a ida, mas ela prometeu que compraria a da volta, mesmo porque, não sabiam quanto tempo ele iria ficar.
Ela disse que tinha falado com o pai e ele autorizou o garoto a ficar na casa deles, claro que em quartos separados.
O dia chegou. Ele pegou um ônibus para Porto Alegre e de lá para São Paulo.
Conversaram a viagem toda, os dois, pelo WhatsApp.
Texto e áudio. Ela mandou fotos do quarto onde ele ficaria.
A Rodoviária de São Paulo intimida quem é de cidade pequena.
Nem bem saiu do ônibus, o garoto mandou uma mensagem pra ela, avisando que tinha chegado.
Pediu o endereço direitinho. Ela não respondeu.
Ele mandou mais uma mensagem. Nada.
Ele não sabia bem o que fazer. Então esperou.
Quando mandou a terceira mensagem, já não havia mais foto dela no perfil do WhatsApp. Ela tinha bloqueado o garoto.
Por três dias ele dormiu na rodoviária, sem dinheiro nem para comer.
Um policial militar soube da história do menino.
Poderia tê-lo levado ao Conselho Tutelar, mas não.
Preferiu fazer uma vaquinha com outros policiais e comprou sua passagem de volta. A menina nunca mais apareceu.
Na internet, catfish é quando alguém se faz passar por outra pessoa.
Foi isso que aconteceu. Catfish.
Não foi um golpe. Ela não se beneficiou em nada.
É como se o País inteiro estivesse em uma rodoviária, desorientado e sem dinheiro para a passagem de volta
Foi apenas maldade.
Essa semana, em um artigo de O Globo, Bolsonaro foi comparado ao Talibã.
Apesar das semelhanças com o radicalismo, misoginia, homofobia, autoritarismo, o Talibã tem lá sua ideologia e é um movimento organizado.
Não é o caso do nosso presidente.
Bolsonaro e seu séquito de fanfarrões inexpressivos odeiam sem ideologia nenhuma.
Odeiam apenas por maldade.
Como a menina de São Paulo.
E como o garoto do Rio Grande do Sul, milhões de eleitores embarcaram na viagem para a qual o presidente os convidou.
Hoje estamos todos numa rodoviária, sem dinheiro para passagem de volta.
Bolsonaro não é nosso Talibã.
Bolsonaro é nosso catfish.