Ele tinha 15 anos. Morava numa pequena cidade perto de Porto Alegre, de onde nunca saiu.

Garoto simples, filho de gente da roça, boa e ingênua.

Sua única conexão com o mundo exterior era a internet.

Passava horas nas redes sociais, principalmente Instagram, TikTok e WhatsApp. O WhatsApp não é exatamente uma rede social, mas vocês entenderam.

Na internet, ele podia ser qualquer pessoa e superar sua enorme timidez. Ela tinha 15 anos. Morava em São Paulo, Capital. Já viajou para mais países do que pode lembrar.

É filha de um casal de classe média alta.

Como ele, passa horas nas redes sociais. Apesar de inteligente e educada, também sofre com a timidez.

Timidez é um traço comum nessa idade. Se conheceram no Instagram, numa foto que ele postou de uma vaca parindo.

Ela nunca tinha visto uma vaca parir.

Ali começou a relação dos dois. Nos primeiros meses ele curtia e comentava todas as fotos que ela publicava. Ela idem.

Passaram para mensagens privadas, dentro do próprio aplicativo.

Foi ele quem sugeriu que fossem para o WhatsApp, a evolução de qualquer romance moderno.

Conversaram por dois anos. Dois. Anos. Texto e áudio.

Nunca fizeram uma única chamada de vídeo. A timidez não permitia a nenhum dos dois nem ao menos sugerir.
Ele queria muito conhecê-la. Ela também.

Mas o pai dela não deixaria que a filha viajasse para o fim do mundo no Rio Grande do Sul para conhecer um sujeito que conheceu na Internet. Não adiantava nem pedir.

Ele é que teria que vir a São Paulo.

Mas ele não tinha dinheiro. Nem sabia direito como pegar um ônibus para outro estado.

Pelas dúvidas, foi juntando o dinheiro que recebia em um ou outro trabalho que fazia para ajudar o pai.

Pesquisou a passagem de ônibus para São Paulo.

Só tinha dinheiro para a ida, mas ela prometeu que compraria a da volta, mesmo porque, não sabiam quanto tempo ele iria ficar.

Ela disse que tinha falado com o pai e ele autorizou o garoto a ficar na casa deles, claro que em quartos separados.
O dia chegou. Ele pegou um ônibus para Porto Alegre e de lá para São Paulo.

Conversaram a viagem toda, os dois, pelo WhatsApp.

Texto e áudio. Ela mandou fotos do quarto onde ele ficaria.

A Rodoviária de São Paulo intimida quem é de cidade pequena.

Nem bem saiu do ônibus, o garoto mandou uma mensagem pra ela, avisando que tinha chegado.

Pediu o endereço direitinho. Ela não respondeu.

Ele mandou mais uma mensagem. Nada.

Ele não sabia bem o que fazer. Então esperou.

Quando mandou a terceira mensagem, já não havia mais foto dela no perfil do WhatsApp. Ela tinha bloqueado o garoto.

Por três dias ele dormiu na rodoviária, sem dinheiro nem para comer.

Um policial militar soube da história do menino.

Poderia tê-lo levado ao Conselho Tutelar, mas não.

Preferiu fazer uma vaquinha com outros policiais e comprou sua passagem de volta. A menina nunca mais apareceu.

Na internet, catfish é quando alguém se faz passar por outra pessoa.

Foi isso que aconteceu. Catfish.

Não foi um golpe. Ela não se beneficiou em nada.

É como se o País inteiro estivesse em uma rodoviária, desorientado e sem dinheiro para a passagem de volta

Foi apenas maldade.

Essa semana, em um artigo de O Globo, Bolsonaro foi comparado ao Talibã.

Apesar das semelhanças com o radicalismo, misoginia, homofobia, autoritarismo, o Talibã tem lá sua ideologia e é um movimento organizado.

Não é o caso do nosso presidente.

Bolsonaro e seu séquito de fanfarrões inexpressivos odeiam sem ideologia nenhuma.

Odeiam apenas por maldade.

Como a menina de São Paulo.

E como o garoto do Rio Grande do Sul, milhões de eleitores embarcaram na viagem para a qual o presidente os convidou.

Hoje estamos todos numa rodoviária, sem dinheiro para passagem de volta.

Bolsonaro não é nosso Talibã.

Bolsonaro é nosso catfish.