Eu deveria ter uns cinco anos.

Assistia uma dessas séries japonesas dos anos 70, na TV preto e branco na casa dos meus avôs.

Ultraman, talvez, mas não tenho certeza.

A certa altura, um monstro gigantesco se aproxima de uma cidade que para um adulto seria evidentemente uma maquete, mas para uma criança era tão real quanto o bairro vizinho.

Meu coração batia forte, daquele jeito que arregala os olhos e entreabre a boca.

Um monstro emerge do oceano e entra pelo porto.

Afunda navios com petelecos e joga longe os contêineres como se fossem caixas de fósforos.

A criatura caminha inabalável em direção ao centro da cidade que eu jurava que estava a umas poucas quadras
da minha casa.

Pisa numa ponte e faz os carros voarem em todas as direções.

Ato contínuo, o episódio é interrompido pelo logo da emissora.

Edição Extraordinária.

O apresentador, em tom sombrio, informa – por uma dessas coincidências impossíveis – que uma ponte havia acabado de desabar.

Pense no efeito dessa notícia nesta pobre criança.

Era a prova que eu precisava de que o monstro estava a ponto de destruir minha existência.

Fiz o que qualquer Super-homem faria: desliguei a TV e me enfiei debaixo do sofá, que como todos sabem, é o único refugio seguro em caso de cataclisma global.

Mas não foi dessa vez.

Cresci e o trauma deve ter ficado em algum canto do cérebro.

Talvez por isso nunca gostei de histórias distópicas, essas tipo Jogos Vorazes, ou mesmo as sagas dos heróis da Marvel.

Prefiro realidade à fantasia.

No máximo uma comediazinha romântica com Tom Hanks.

Mas os fantasmas do passado sempre voltam.

E esse ano, quem diria, meu Godzila voltou.

Da noite para o dia viramos figurantes em uma dessas sagas pós-apocalípticas, tipo Zombieland, onde a salvação só aparece nas últimas cenas.

Em nossa Gothan City não há Batman para nossos vilões.

Ao invés de um lagarto gigante, um vírus letal, como em Os 12 Macacos.

Ainda não me acostumei a sair nas ruas e ver tantos mascarados, como se fossem ladrões de banco em um western.

As cidades viraram cenários de Blade Runner.

A quarentena e a distância social, tão importantes, fazem lembrar os filmes da segunda guerra, Pearl Harbor com suas sirenes alertando sobre um ataque aéreo iminente.

No nosso caso a tragédia é tão constante, nos noticiários, nas contagens de mortos, que nem são necessárias sirenes
para nos recolhermos a nossos bunkers domésticos.

E nossa (su)realidade vai mais longe.

Como no Anjo Exterminador de Buñuel, estamos aprisionados a lideranças políticas que não poderiam ser criadas pelo mais criativo roteirista.

Nosso Poderoso Chefão nega a Ciência, nega as evidências com frequência diária.

Como em Ensaio Sobre Cegueira, deixamos de enxergar.

Viramos uns Mad Max tentando sobreviver ao Apocalipse.

E quando achamos que talvez o pior tenha passado, repetindo o clichê dos filmes em que o vilão ressuscita na cena final, voltam a circular notícias alertando que os casos de covid-19 começam a crescer novamente.

Esse vírus é um Twister, um Tsunami devastador, com direito a primeira e a segunda onda.

Na semana passada, a ultraviolência saiu da tela de Laranja Mecânica e revelou um assassinato ao vivo, nos celulares e jornais de TV.

Da noite para o dia viramos figurantes em uma dessas sagas pós-apocalípticas, tipo Zombieland

Vimos e repetimos o vídeo.

Os socos.

Os gritos.

A violência corriqueira não abala como antes.

Vírus e violência parecem não relacionados.

Mas suspeito que no roteiro do nosso destino não existam coincidências.

Estamos apáticos e complacentes.

Tudo está relacionado, como costurado por Hitchcock.

As máscaras são nossa Janela Indiscreta.

Revelam nossas lágrimas e ocultam nossos sorrisos.