Programa Espacial Brasileiro vive um grande momento, à espera de lançamentos de foguetes internacionais na base mantida em Alcântara, no Maranhão. A boa fase começou no dia 19 de março, exatamente às 14h52, quando o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) teve a decolagem do foguete Hanbit-TLV, da empresa privada sul-coreana Innospace. O voo durou 4 minutos e 33 segundos. O feito comprova o potencial do empreendimento e coloca o Brasil no mercado de transporte espacial, contemplando projetos de outros países. Depois desse, há contratos vigentes com a Coreia do Sul e Canadá para ações semelhantes. “Este lançamento quebrou um paradigma, pois poderemos ter diversas operações comerciais, a partir do Centro Espacial de Alcântara”, anunciou o tenente-brigadeiro do ar Maurício Augusto Silveira de Medeiros, diretor-geral do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). A missão batizada de Operação Astrolábio é resultado de uma parceria entre a startup espacial sul-coreana e o DCTA, com apoio da Agência Espacial Brasileira.

O Hanbit-TLV fez mais. Decolou do espaçoporto nacional levando a bordo carga útil desenvolvida 100% no Brasil: o Sistema de Navegação Inercial, Sisnav, experimento tecnológico para a navegação autônoma de foguetes desenvolvido pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço. Foi a primeira vez que ele foi empregado em um veículo. “Antes, os testes eram em solo”, diz o tenente-coronel Bruno Távora, gerente do Projeto Sisnav. Com o voo foi possível analisar o desempenho e algoritmos dos sensores, por exemplo.

Base de foguetes no Maranhão recoloca o Brasil no mercado de missões espaciais
DNA BRASILEIRO Veículo de 8,4 toneladas: equipado com carga útil desenvolvida 100% no País, no Instituto de Aeronáutica e Espaço (Crédito:Sargento Frutuoso)

O equipamento sul-coreano foi feito, aliás, para ser um lançador de satélites de teste. Com 8,4 toneladas e 16,5 metros de altura, utiliza um sistema patenteado de alimentação por bomba elétrica e tecnologia híbrida: propulsão à base de oxigênio líquido e uma mistura de parafinas. Isso proporciona composição química estável, e fabricação rápida com menor custo. “Porém, sem o apoio do CLA, nada disso estaria acontecendo. Eles utilizaram a nossa sala de preparação dos foguetes, o aparato de controle e, inclusive, o mais importante: toda a segurança da operação”, ressalta Medeiros.

O sucesso do trabalho binacional empolga os envolvidos. Soo Jong Kim, CEO da Innospace, adianta que outros lançamentos comerciais em conjunto com a Força Aérea Brasileira estão a caminho, uma vez que a empresa asiática tem um contrato de cinco anos com o Brasil. “Países ao redor do mundo visam o Centro Espacial de Alcântara. Afinal, entre outras características favoráveis, é a melhor localização do mundo”, diz. O CLA está localizado próximo à linha do Equador. “Na prática, significa uma redução de até R$ 40 milhões, dependendo do veículo lançador, porque foguetes ganham uma velocidade extra de escape ao decolar, uma espécie de um impulso. Para companhias pequenas, isso representa uma economia extremamente significativa”, explica Miriam Rezende Gonçalves, especialista em Inovação e Consultora de Comunicação e Inteligência Estratégica para empresas espaciais e de defesa. A profissional, aliás, trabalhou com a Innospace e a canadense C6 Launch Systems Incorporated, outra corporação com contrato com a FAB após chamamento público. Os bons resultados da Operação Astrolábio só beneficiam os acordos vigentes, pois mostram ao mundo a capacidade nacional. Para o diretor-geral do DCTA o novo capítulo traz mais benesses. “Ele nos coloca entre os centros espaciais reconhecidos mundialmente e inseridos nesse mercado tão grande e que se desenvolve a cada dia mais, o mercado espacial. O lançamento do Hanbit-TLV e as parcerias futuras trarão uma série de benefícios. São receitas que vêm para o município de Alcântara, para o estado do Maranhão e para o Brasil”.Base de foguetes no Maranhão recoloca o Brasil no mercado de missões espaciais

Ao cidadão comum que questiona como tudo isso pode trazer algum ponto positivo, a resposta está justamente na rotina. “O espaço está em nosso cotidiano mais do que podemos imaginar. O dinheiro investido não some com o foguete. Ele fica por aqui no ecossistema de inovação e tecnologia”, diz Miriam. A consultora mostra que muito do que temos é resultado da era espacial, como o GPS, aparelhos de academia, pneus resistentes e até a selfie. “Nós temos uma câmera compacta de alta resolução porque a tecnologia foi desenvolvida na missão Apollo 11, que não precisou levar um trambolho que não cabia na nave. O espaço cria facilitadores para a vida aqui na Terra, gerando emprego e renda”.

Tragédia completa 20 anos

O maior acidente da história do Programa Espacial Brasileiro, que matou 21 profissionais civis no Centro de Lançamento de Alcântara, completa 20 anos. O foguete VLS-1 explodiu em 22 de agosto de 2003. O veículo levaria para o espaço o primeiro satélite de fabricação nacional. As investigações revelaram que ele foi acionado antes da hora, pois uma falha no sistema de ignição teria provocado a detonação. O Ministério da Aeronáutica descartou a possibilidade de sabotagem, mas registrou falhas significativas, como a “degradação das condições de trabalho e segurança”. A catástrofe resultou na adoção de novas medidas no centro, que ganhou uma torre com três saídas diferentes em caso de emergência.

Base de foguetes no Maranhão recoloca o Brasil no mercado de missões espaciais
EXPLOSÃO Maior acidente do Programa Espacial Brasileiro completa 20 anos: mortos são lembrados como heróis (Crédito:Divulgação)