Duas exposições individuais, inauguradas simultaneamente, colocam por terra a polêmica entre concretos e neoconcretos. Na verdade, neoconcreto é um termo que o tempo se encarregou de esvaziar e hoje parece confinado aos livros de história da arte, mais ou menos como a expressão pós-moderno, que caiu em desuso. A prova de que a arte concreta prevaleceu está nas exposição dos pintores Luiz Sacilotto (1924-2003), no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), e do (neo)concreto Hércules Barsotti (1914-2010), na Galeria Frente.

Um espectador, mesmo munido de uma cópia do Manifesto Neoconcreto – lançado em 1959 pelo poeta e crítico maranhense Ferreira Gullar – dificilmente conseguirá ver diferença entre a pintura de Sacilotto e Barsotti que coloque os dois paulistas em posições antagônicas, como no passado – na época, o grupo dos concretos paulistas, liderado por Waldemar Cordeiro, entrou em confronto direto com os neoconcretos cariocas. Barsotti e seu companheiro Willys de Castro foram os únicos artistas de São Paulo a aderir ao grupo do Rio de Janeiro, no qual se destacaram Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape.

Há 18 anos, numa conversa organizada pelos editores da revista do Museu de Arte Moderna (MAM/SP), a propósito da mostra Arte Construtiva no Brasil, que reuniu obras do acervo do colecionador Adolpho Leirner, Barsotti revelou que ele e Willys só aceitaram o convite de Gullar para integrar o grupo dos neoconcretos cariocas porque Willys não suportava Waldemar Cordeiro, também desafeto do crítico maranhense. Sacilotto foi mais longe, classificando o embate entre ambos de “ideológico”, ao definir Gullar como stalinista e Cordeiro como trotskista.

Para colocar um ponto final nessa desavença estética entre concretos e neoconcretos, o curador da mostra de Luiz Sacilotto no IAC, Jacopo Crivelli Visconti, instalou ao lado dos 60 trabalhos do concreto paulista obras de artistas neoconcretos e simpatizantes como o mineiro Raymundo Colares (1944-1986), que oscilou entre o construtivismo e a arte pop. Também convocou a presença de Volpi (1896-1988), que, apesar da proximidade com os concretos, nunca se considerou parte do grupo. Tudo para mostrar que a discussão em torno dos concretos e neoconcretos não tirou Sacilotto de seu posto, ele que foi considerado por Waldemar Cordeiro a “viga mestra da arte concreta”.

Ao analisar projetos e esboços de Sacilotto, hoje pertencentes ao acervo do IAC, Crivelli Visconti descobriu que existia toda “uma história submersa, que passa despercebida ao olharmos as obras ‘maiores’ do artista”. O mesmo se aplica à exposição de Barsotti na Galeria Frente, que reúne 70 telas e também projetos e esboços do artista, além de raras pinturas de um período anterior à adesão ao concretismo – inclusive telas surrealistas pouco vistas do começo de carreira, que a curadora Marilúcia Bottallo conseguiu com colecionadores.

Ela é também autora da primeira monografia publicada sobre o artista, Hércules Barsotti – Opostos Determinantes, lançada na abertura da mostra retrospectiva. Marilúcia Bottallo chama a atenção sobre a introdução da cor na pintura de Barsotti, em 1963, não como decorrência de sua filiação ao movimento neoconcreto (que criticava a austeridade e o preto e branco dos concretos paulistas), mas pela descoberta, numa revista norte-americana, da tinta acrílica vinílica. A exemplo de Sacilotto, Barsotti ficou fascinado pelas possibilidades cromáticas da tinta industrial, mas esse fascínio, adverte a autora, só fez com que a cor o levasse a enriquecer a forma, “usando-a no âmbito de uma gramática construtiva própria”.

Os artistas concretos, segundo Acácio Lisboa, já ultrapassam os modernos na preferência dos colecionadores. E, comprovando o interesse específico pela fase ortodoxa concreta de Hércules Barsotti, as obras do artista que alcançam as maiores cotações (acima de R$ 1 milhão), são, segundo ele, as telas em branco e preto dos anos 1950, produzidas sob o impacto da descoberta do trabalho do concreto suíço Max Bill, influência assumida, que o convidou a integrar a mostra Konkrete Kunst em 1960, em Zurique. Até em termos comerciais, o rótulo concreto, como se vê, rendeu mais a Hércules Barsotti.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.