Facilitar ao máximo a vida de pessoas que sonham em ser pais e mães mas que, por qualquer motivo, não conseguem. Esse é o objetivo de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que estabeleceu novas regras para quem depende de uma barriga de aluguel. Até então, somente avó, mãe, irmã, tia e prima podiam participar da gestação solidária. Agora, filha e sobrinha da doadora do óvulo foram incluídas. Outra mudança é que mulheres solteiras também podem recorrer ao procedimento. “A revisão é feita de dois em dois anos. Nos baseamos nas demandas recebidas pelo CFM”, afirma José Hiran da Silva Gallo, coordenador da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia da entidade. Desta vez, a resolução beneficia mulheres, casais heterossexuais e homoafetivos.

O processo de gestação de substituição, como é chamado, precisa seguir regras bastante restritas que protejam todos os envolvidos. Há necessidade de uma autorização médica para atestar condição emocional favorável, acompanhamento de psicólogos e assinatura de termos de compromisso e consentimento. Esse passo a passo foi seguido por Renata Oliveira Santos, 40 anos, dentista, e sua irmã, Roberta Oliveira Santos Americano, 35 anos. Com diabetes tipo 1 e problemas renais, Roberta soube que o risco de uma gravidez nessas condições seria altíssimo. Conversou então com a irmã Renata, que diz não ter titubeado. “Para fazer isso por alguém é preciso amar demais, pois há um custo”, diz Renata, que carregou em seu útero o embrião com o óvulo da irmã. Toda a família passou por acompanhamento psicológico. “O vínculo com as crianças em uma gestação é muito grande, não é normal gerar e entregar para outra pessoa. Por isso precisa ser bem trabalhado para não ter consequências negativas.” Hoje, Roberta é mãe de um casal de gêmeos, atualmente com 1 ano e 6 meses.

COMÉRCIO ILEGAL

Especialista em reprodução humana e membro da American Society for Reproductive Medicine (ASRM), Márcio Coslovsky diz que o método não apresenta os riscos das relações consanguíneas. “Na barriga de aluguel não há possibilidade de mutação genética, como ocorre nos casamentos entre primos ou parentes próximos que tenham a mesma série genética”, afirma.

A Constituição brasileira, que proíbe a venda de órgãos, veta o “aluguel” de barrigas — o empréstimo só pode ser feito de forma solidária. “Também no código de ética médica está estipulado que a medicina não pode ter relação com o comércio”, diz Gallo, do CFM. Apesar do veto, há muita demanda para que a barriga de aluguel possa ser de uma pessoa sem parentesco. Como a prática é ilegal no Brasil, há casais que recorrem a clínicas de outros países para poder alugar um útero, não sem desembolsar cifras que extrapolam os seis dígitos. A Índia, que já foi o maior mercado mundial do ramo, movimentando mais de R$ 3 bilhões, proibiu a prática da gestação de substituição remunerada em março deste ano em meio a críticas de grupos que lucravam com o negócio. Atualmente, os Estados Unidos são o país com maior flexibilidade na legislação sobre o tema. O humorista brasileiro Paulo Gustavo foi um dos que recorreu a uma clínica americana para poder se tornar pai ao lado do companheiro, o médico Thales Bretas. Lá existem empresas procuradas por brasileiros, como a “Ser Papai em Miami”. O procedimento custa a partir de R$ 300 mil.

Barrigas de aluguel no mundo
Como funciona a legislação em outros países

Estados Unidos

Somente cinco estados proíbem a prática. Grande parte dos outros libera o processo remunerado sem necessidade de qualquer vínculo de parentesco. Uma mulher que faz barriga de aluguel pode receber, pelo menos, R$ 100 mil

Europa

Na Itália, na França e na Alemanha a prática é completamente proibida, assim como em outros países. No Reino Unido, só é legalizada a prática solidária, como no Brasil, e apenas para cidadãos britânicos

Índia

O processo foi liberado para remuneração em 2012, e o país se tornou o maior mercado de barriga de aluguel do mundo, gerando mais de R$ 3 bilhões para a economia indiana. Em março de 2017, foi proibido e, agora, apenas é autorizado para cidadãos indianos e com vínculo de parentesco

Ucrânia

Permite que o procedimento seja comercializado, mas apenas para casais heterrosexuais. É permitida a publicidade de mulheres que se oferecem para ser barrigas de aluguel

O que mudou

A resolução sobre reprodução assistida costuma ser revisada a cada dois anos para se adequar a anseios sociais. Confira como ficou a nova versão no que se relaciona à gestação de substituição

Mais possibilidades

Filha e sobrinha também podem ser barriga de aluguel. Antes, somente avó, mãe, irmã, tia e prima podiam ceder seus úteros temporariamente

Solteiras

Mulheres solteiras podem recorrer à gestação de substituição, o que não era permitido anteriormente

Gestação compartilhada

O conceito foi criado na nova versão da norma e contempla casos em que o óvulo é de uma mulher e o embrião fecundado é transferido para o útero da parceira