Arquivo Pessoal/Jozeli Gonçalves

“Esse é um espaço para pessoas da elite e vocês não estão nesse padrão. E não podem almoçar aqui também porque os restaurantes são caros e vocês não têm como pagar”. Foi com essa frase que 120 alunos, pobres, alguns negros, de quatro escolas públicas da cidade paulista de Guaratinguetá, foram recebidos no mais sofisticado shopping do País, o JK Iguatemi, na capital paulista, depois de viajarem de ônibus por mais de cinco horas. Eles saíram cedo da cidade com destino ao shopping porque queriam ver a exposição em comemoração aos 90 anos de Mickey. Tinham ganhado a viagem como prêmio pelas boas notas. As crianças, com idades entre seis e dez anos, não contavam, no entanto, com a atitude de discriminação social e racial de uma das recepcionistas da exposição, de nome Beatriz, barrando a entrada sob o argumento de que o lugar “é de elite”.

Foi lamentável o que Beatriz fez. Os estudantes tinham se preparado para um dia inesquecível. Eles chegariam em São Paulo por volta da hora do almoço, comeriam na praça de alimentação e depois seguiriam para a mostra. Deu tudo certo até que se depararam com o preconceito. É possível imaginar a decepção e a dor que sentiram ao sofrerem, tão cedo, os efeitos da desigualdade social.

GRIFE A exposição “Mickey 90” está no shopping JK (SP), o mais sofisticado do Brasil (Crédito:Reprodução)

Os educadores responsáveis pela excursão já tinham pedido autorização à organizadora do evento, a ong Orientavida, e separado o dinheiro para que cada um dos alunos escolhesse um kit de almoço em restaurante de fast food. Poucos não conseguiram pagar pelo passeio e, para esses, houve contribuição de pais de outras crianças. A princípio, não poder entrar no JK deixou os professores desnorteados. Foi somente depois da intercessão da Secretaria de Educação de Guaratinguetá que a entrada foi liberada e os alunos puderam lanchar e se divertir. “Passamos por uma situação de segregação”, afirma Jozeli Gonçalves, 37 anos, da direção da Escola Municipal Professora Francisca de Almeida Caloi, que participou da excursão.

Na quinta-feira 21, a ong Orientavida anunciou que Beatriz foi demitida. Ela teve coragem de barrar as crianças, mas não a de falar à reportagem de ISTOÉ. A direção do shopping manifestou-se por meio de nota afirmando que “não compactua com a atitude da colaboradora da mostra.” Na verdade, o episódio traduz um pensamento arcaico enraizado na sociedade brasileira que insiste em separar as pessoas por classe social e cor da pele. Espera-se que, da próxima vez, o JK Iguatemi veja melhor a ong para a qual está cedendo espaço. E que a ong em questão não inclua gente preconceituosa em seu quadro de funcionários. As crianças e seus pais agradecem. O shopping e a ong dizerem que não compactuam com a discriminação é pouco diante da gravidade do fato. Preconceito é crime.

Foi somente depois de muita negociação que os estudantes conseguiram ver a exposição