O que mais avança no Congresso não são as pautas que interessam à sociedade. É o nível de beligerância, que vem substituindo a política e fomentando um ambiente de conflitos que, em outros tempos, resultaram em graves tragédias, com assassinatos, agressões ou luta corporal em plenas sessões das duas Casas legislativas.
Na semana passada, agredida verbalmente enquanto defendia o projeto de uma colega na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), de 89 anos, não resistiu ao alto grau estresse, passou mal e foi internada num hospital em Brasília por quatro dias. Pressionado, o presidente da Câmara, Arthur Lira, colocou em votação e a Câmara aprovou, na terça-feira, 12, projeto de lei que dá poderes à Mesa Diretora para levar ao plenário e suspender por até seis meses, sem qualquer remuneração, o mandato do deputado que provocar brigas.

A intenção é reduzir os níveis de agressividade, que andam bastante altos na Câmara dos Deputados, onde esquerda e direita só não protagonizaram espetáculos de pugilismo porque foram contidos por agentes da Polícia Legislativa. Sinal dos tempos de polarização que separou a sociedade em “universos” paralelos, os grandes debates de ideias que deveriam ser travados da tribuna viraram discussões histéricas, marcadas por provocações panfletárias e demagogas que, invariavelmente, vão parar nas redes sociais das “excelências” como conteúdo de “lacração” dos adversários.

A bancada da bala e os extremistas ligados ao ex-presidente Bolsonaro são recordistas em provocações, como se viu na semana passada, logo depois que o deputado André Janones (Avante-MG) foi absolvido na Comissão de Ética numa acusação de rachadinha.

Três deputados do PL, Zé Trovão (SP), Eder Mauro (PA) e Nikolas Ferreira (MG) partiram para cima de Janones que, como é de hábito, também reagiu: “Você quer testosterona? Vamos lá fora para eu te dar testosterona”. Janones e Nikolas saíram pelos corredores e só não se atracaram fisicamente porque foram contidos por assessores. Zé Trovão, que momentos antes havia entrado em atrito com Guilherme Boulos (PSOL-SP), autor do relatório que absolveu Janones, aos gritos de “vagabundo”, “ladrão”, também tentou agarrar o deputado mineiro.

• Nem as mulheres escapam da baixaria. Na Comissão da Mulher, a deputada Érika Hilton (PSOL-SP) chamou Júlia Zanatta (PL-SC) de “feia”, “ultrapassada” e “ridícula”, depois que a colega elogiou Nikolas, famoso pelas manifestações homofóbicas. Ao defender a colega, o deputado deu mais um escorregão: “Pelo menos ela é ela”, disse ele, se referindo à deputada que se identifica como trans. Ferreira é presidente da Comissão de Educação.

Barraco no congresso: parlamentares vão às vias de fato – e nem mulheres escapam
Janones se livrou das suspeitas de rachadinha, mas aceitou as provocações e desafiou os bolsonaristas (Crédito:Lula Marques/ Agência Brasil)

Enquanto ficar no terreno da ironia, os embates não causam mais que gargalhadas, cochichos ou denúncias contra os autores. O problema é que com 46 parlamentares (44 deputados e dois senadores que são policiais ou militares) originários das áreas de segurança, a chamada bancada da bala, que conta com 260 integrantes na frente parlamentar, encabeça a onda de conflitos, sempre de dedo em riste e uma acusação forte na ponta língua.

Quase todos são armamentistas, a maioria com registro de CAC (Colecionador, Atirador e Caçador) e, embora o porte seja proibido nas dependências do Congresso, obviamente estão sempre próximos a armas.

No final do ano passado, alegando necessidade de proteção dos parlamentares, o deputado José Medeiros (PL-MT), que é policial rodoviário federal, apresentou um projeto permitindo a volta do porte de armas no Congresso logo depois de uma briga em que deputado Washington Quaquá (PT-RJ) deu um tapa no rosto de Messias Donato (Republicanos-ES) e chamou o sempre presente em confusões Nikolas Ferreira de “viadinho”.

Barraco no congresso: parlamentares vão às vias de fato – e nem mulheres escapam
Quadro lúcido e equilibrado da esquerda, Erundina não suportou as agressões e foi parar no hospital (Crédito:Divulgação )

Antecedentes

O Congresso tem graves precedentes envolvendo riscos com a liberação do porte de armas.

•  Um dos casos de maior repercussão, marcado como uma das grandes tragédias da política, ocorreu em dezembro de 1963, quando o então senador Arnon de Mello (do PDC, pai do ex-presidente Fernando Collor), depois de uma discussão com o adversário alagoano, Silvestre Peres de Góis Monteiro (PST), sacou um revólver e disparou. Militar, Góis Monteiro se jogou no chão e a bala atingiu mortalmente o jovem senador José Kairala (PSD-AC), que tinha 39 anos.

Dois anos antes, o deputado Tenório Cavalcanti (UDN-RJ) assustava os colegas com a “Lurdinha”, uma metralhadora que carregava na cintura, protegida pela indispensável capa preta. Numa das sessões discursava contra o então presidente do Banco da Bahia, Clemente Mariani, quando foi aparteado pelo colega Antônio Carlos Magalhães, que saiu em defesa do amigo baiano. “Vossa excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade é mesmo um protetor do jogo do bicho, porque é um ladrão”. Da tribuna, Tenório sacou a “Lurdinha” e avisou: “Vai morrer agora mesmo!”. ACM desafiou. “Atira filho da puta!”. Por sorte, Tenório foi contido e ACM aumentou a fama de corajoso.

O primeiro assassinato dentro do Congresso ocorreu em 1929, com a morte, a tiros, do deputado pernambucano Manuel de Sousa Filho, praticada pelo colega gaúcho Ildefonso Simões Lopes. Eram tempos de violência política que se imaginou superados.