13/01/2022 - 12:53
Antônio Barra Torres é médico, contra-almirante e diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso não é nada se comparado à grandeza de seu espírito e à sua capacidade de mergulhar no princípio grego da metanoia, algo que a maioria da espécie humana desconhece ou despreza em nome da vaidade, de um egocentrismo caótico e da necessidade de autoafirmação.
A teoria da metanoia ensina que é possível, a partir de profunda reflexão e de sincero arrependimento, uma pessoa mudar de pensamento ou caráter, transformar e aprimorar a sua espiritualidade. É dela que nasceu, por exemplo, o método de aprisionamento celular no Direito Canônico. A solidão leva à reflexão; a reflexão leva ao arrependimento; do arrependimento decorre a transformação do espírito. Barra Torres demonstrou como esse elevado fenômeno ocorreu-lhe. Fez isso em duas ocasiões.
O fato original é que ele, já indicado para dirigir a Anvisa, participou de um ato público antidemocrático na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em março de 2020. Esteve ao lado do presidente Jair Bolsonaro, que então aguardava o resultado de um teste para Covid, e ambos exibiram os rostos sem máscaras. Barra Torres, na verdade, descumpriu todos os protocolos científicos não farmacológicos de proteção diante do Sars-Cov-2.
A primeira manifestação do processo de metanoia deu-se na CPI da Covid, quando ele (voz firme, olhar tranquilo e sem o menor ar de constrangimento) declarou-se arrependido. Era o sinal, um bom sinal.
O segundo passo da metanoia foi a carta pública de Barra Torres tendo Jair Bolsonaro como destinatário principal. O presidente da República insinuara que ele mantinha interesses desonestos ao defender a vacinação para crianças na faixa etária de 5 a 11 anos. Barra Torres, com rara nobreza espiritual, aconselhou Bolsonaro a não praticar o crime de prevaricação – ou seja, que mandasse investigá-lo.
O atual Brasil radical e extremado carece refletir no princípio da metanoia.
Bolsonaro tem o cacoete doentio de acusar sem provas. Fez isso em relação à eleição que o levou ao Palácio do Planalto ao dizer que houve fraude; repetiu o comportamento com Barra Torres. Bolsonaro tem de se lembrar do humorista e cartunista Millôr Fernandes. Escreveu ele: “Nunca diga uma mentira que você não consiga provar”. Eu sei que a ironia de Millôr é demais inteligente, refinada e sofisticada para que Bolsonaro a entenda, mas deixo-a registrada aqui.
Quanto a Barra Torres, que com certeza reconstruiu-se melhor na espiritualidade, meus parabéns. Parabéns aos quais ele não dará muito valor, porque julga que o seu arrependimento e a sua carta são meros deveres da moral, da ética e do caráter. Sim, de fato são meros deveres. Mas uma coisa é fato: houvesse mais Barra Torres no País e o Brasil seria melhor. Muito melhor. Seria mais justo. Muito mais justo.