03/09/2019 - 20:24
Os últimos dois dias foram de emoção à flor da pele para Bárbara Paz, que apresenta sua estreia na direção, o documentário Alguém Tem de Ouvir o Coração e Dizer: Parou, sobre seu marido, o cineasta Hector Babenco, morto em 2016, na seção Venice Classics do 76º Festival de Veneza. “Nossa última viagem foi para cá”, ela contou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Hector olhou para este mar e disse: ‘Não é possível que eu nunca mais vou ver isso’. O filme estar em Veneza, ao lado de documentários sobre outros grandes cineastas, como Fellini e Tarkovski, parece algo comandado por ele. Parece Hector dizendo: ‘É aqui que eu quero ficar, é aqui que quero renasce’.”
Desde que se apaixonou pelo diretor de alguns dos maiores filmes do cinema brasileiro, como Pixote – A Lei do Mais Fraco e Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia, além de produções internacionais como O Beijo da Mulher Aranha, pelo qual concorreu ao Oscar, a atriz queria fazer um documentário sobre ele. “Quis registrar o homem. O pensador – que era um cineasta, também. Todo o mundo queria falar da obra, e eu queria falar do homem”, contou.
Ela nunca entendeu por que não havia filmes sobre o diretor, nascido em Mar del Plata, na Argentina, e naturalizado brasileiro em 1977. “Mas depois percebi que era porque ele mesmo queria falar dele, não permitia que os outros falassem.” Mesmo com ela, o princípio foi difícil. “Começamos a brincadeira. Ele dirigiu até sua doença dele como um filme. Fazia isso comigo e com todo o mundo que estava ao redor. Gostava de mandar”, disse a diretora, rindo.
Até as músicas, como Exit Music (For a Film), do Radiohead, foram selecionadas com ele. “É um filme sobre o amor, de relação, de amor pelo cinema. E uma despedida.”
Quando Babenco descobriu que seu câncer estava de volta, decidiu fazer seu derradeiro longa-metragem, Meu Amigo Hindu, muito inspirado em suas experiências e estrelado por Willem Dafoe. Poucos meses depois da estreia, ele morreu. Bárbara não teve tempo de filmar tudo o que tinham planejado, e foi só por isso que trechos de sua obra entraram no documentário.
A edição começou logo depois da morte de Babenco. “Eu não queria perder tempo”, disse Bárbara Paz. Foram muitos anos de trabalho com vários montadores, até a edição final assinada por Cao Guimarães. O luto se misturou à finalização do filme. “Eu não me despedi dele. Ele estava o tempo todo na minha casa, porque a ilha de edição era em casa. Mas às vezes era muito difícil, teve muita dor, muito choro. Houve gente que achava que eu não terminava o filme porque não queria me despedir dele. Mas não era, o filme não estava pronto. Só larguei quando fomos selecionados para Veneza.”
O filme, que vem acompanhado do livro Mr. Babenco, é apenas o primeiro da carreira de Bárbara Paz. “A maior herança que ele me deixou foi o legado cinematográfico. E o filme tem essa passagem de bastão, do mestre dando o aval para a jovem cineasta seguir”, disse. “A gente sempre tratou o filme como um filho. Como ele não podia mais me dar um filho, o filme é nosso filho. E ele está nascendo aqui, neste lugar tão lindo.”