Tratado como solução para um grave problema ambiental, o banimento dos poderosos gases do efeito estufa hidrofluorcarbonetos (HFCs) – acertado entre quase 200 países em outubro -, pode se tornar outra dor de cabeça para a comunidade internacional no futuro próximo. A meta dos signatários, com o acordo, é que o ano de 2100 seja até 0,5 °C menos quente do que seria caso as emissões dos HFCs seguissem no ritmo atual. Porém, pouco se saber sobre a substância que pode vir a ser usada em substituição ao gás – o que pode fazer da solução um problema, como aconteceu com os próprios HFCs.

Esses gases são largamente utilizados na manufatura de aparelhos de refrigeração, como aparelhos de ar condicionado e geladeiras, e também em outros setores da indústria. O advento dos HFCs veio depois de um dos acordos internacionais mais bem sucedidos da história: o Protocolo de Montreal, em 1987. Para eliminar os clorofluorcarbonos, agressivos à camada de ozônio, a humanidade os substituiu pelos HFCs, atuais vilões do aquecimento global por efeito estufa.

“O problema de mudanças climáticas só começou a adentrar a arena política mundial a partir da publicação do primeiro relatório do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, sigla em inglês), em 1990”, diz o professor da Unesp David Lapola, especialista em mudanças climáticas. Ele conta que a partir daquele momento o papel dos HFCs no efeito estufa passou a ser conhecido, mas não chegou a assustar. “Subestimaram o quando a indústria ia demandar desse tipo de gás.”

A leitura do professor do departamento de física aplicada da USP (Universidade de São Paulo) e membro do IPCC Paulo Eduardo Artaxo segur outro rumo. “Nas negociações internacionais, às vezes é importante fazer compromissos que precisam ser corrigidos mais tarde, como é o caso da substituição dos HFCs.” Ele afirma que as propriedades dos hidrofluorcarbonetos já eram conhecidas na época de sua adoção. Assim como Lapola, Artaxo observa que no final da década de 1980 a prioridade da comunidade internacional não era o efeito estufa.

Alternativas

Duas das alternativas existentes atualmente são o isobutano e os HFOs (hidrofluorolefinas). Ambos são inflamáveis, mas segundo o professor de engenharia mecânica da PUC-Rio José Alberto dos Reis Parise, é possível usá-los com segurança. Ele afirma que hoje, a indústria está mais preparada para esta troca, e a compara com a mudança feita em 1987. “Naquela época foi algo mais arrojado, eles baniram sem nem ter os resultados de toxicidade dos novos gases refrigerantes”, afirma.

O isobutano agrada a alguns especialistas em aquecimento global e contraria outros. Como o gás é muito menos agressivo do que os HFCs, Artaxo afirma que a troca seria vantajosa. Por outro lado, Lapola diz que essa diferença, apesar de grande, ainda não é satisfatória. Os HFOs foram elogiados por ambos os especialistas.

Mesmo uma troca para os HFOs não acabaria com o risco de, no futuro, com novas preocupações ambientais, uma outra movimentação como a que está acontecendo agora seja necessária. “Qualquer produto químico novo lançado no meio ambiente pode causar danos em grande escala”, diz Paulo Eduardo Artaxo. “Em geral, a necessidade de lucro rápido predomina sobre os cuidados com o planeta.”

O professor Lapola afirma que hoje a ciência consegue detectar problemas depressa, apesar de “não existir estudo definitivo de impacto ambiental [dos HFOs]”. Ele finaliza: “Estamos falando de três das áreas do conhecimento de resolução mais distante pela humanidade: a meteorologia, a ecologia e a economia.”