Bancos quebram e o “mercado” recorre aos governos para pagar a conta. Mais uma vez

Bancos quebram e o “mercado” recorre aos governos para pagar a conta. Mais uma vez

O mercado financeiro é um ser amorfo e poderoso que influencia cada vez mais a política e a economia em todo o mundo. É comum lermos que “o mercado aceitou bem” tal medida, ou que “o mercado rejeitou” tal decisão política, como se fosse um player legítimo participando do processo democrático das sociedades em que está inserido. Não é. O “mercado” só está interessado em dividir o lucro, mas foge de cena quando é hora de compartilhar o prejuízo.

Pois “o mercado” nos brindou com notícias de impacto bastante negativo ao longo dos últimos dias. A primeira delas foi a quebra do banco Silicon Valley, um dos vinte maiores bancos comerciais norte-americanos. Tinha cerca de US$ 175 bilhões sob sua gestão e investia, principalmente, em startups. Há uma série de razões para sua falência, mas isso os economistas podem explicar melhor. Só queria comentar algo me chamou a atenção: o fato de que o governo americano teve que entrar em jogo para salvar os correntistas. Como havia feito em 2008. E em todas as outras crises financeiras desde 1929.

Em comunicado conjunto das autoridades monetárias e do banco falido, foi anunciada a devolução completa de todos os recursos. O anúncio foi “comemorado pelo mercado”. Claro, o “mercado” sempre comemora quando alguém paga a sua conta. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, confirmou: “Os depositantes terão acesso a todo o seu dinheiro”.

Poucos dias depois foi a vez do Signature Bank, que tinha US$ 110,3 bilhões de ativos. E o que aconteceu, novamente? O Departamento do Tesouro afirmou que os clientes serão assegurados e os clientes não serão afetados.

O que isso quer dizer? Que a população americana vai bancar a conta. Mas e o mercado com isso? Fingiu que não era com ele. Outros bancos privados fingiram que não era com eles. Sabe aquele mercado liberal, que reclama do “tamanho do governo”, que contesta governos que regulam demais a economia? Aquele mercado que deseja agir com mais liberdade e autonomia, pois isso é o que torna o capitalismo tão maravilhoso?

Pois é, esse mercado, quando algum de seus membros quebra, vai correndo atrás dos governos para bancar seu prejuízo. Ou seja: quem paga a conta do “mercado”, quando algo dá errado, são os mesmos governos criticados por serem muito intervencionistas. Quando dá lucro, o capitalismo fica com a grana. Quando tudo dá errado, socializa o prejuízo.

Quer outro exemplo? O Credit Suisse é um banco privado suíço, país conhecido por abrigar fortunas – escusas ou legais – de dez entre dez bilionários. Pois é, veja que curioso: ele acaba de ver suas ações derreterem. E daí, o que aconteceu? Ele recorreu ao “mercado” privado para financiar seus erros? Claro que não. O mercado só existe para dividir o lucro, não o prejuízo. O Credit Suisse recorreu ao governo suíço e pediu um empréstimo de apenas US$ 57 bilhões.

O “mercado” não gosta da intervenção dos governos, mas não pensa duas vezes a recorrer a eles quando precisa de alguém para bancar suas irresponsabilidades. Tenho a impressão de que o “mercado aceita bem” quando os outros pagam a sua conta.