RESULTADO PRÁTICO Enquanto o ministro Onyx Lorenzoni adoça a vida dos parlamentares, Paulo Guedes, da Economia, preocupa-se com o andamento da reforma (Crédito:Valter Campanato/Agência Brasil)
Valter Campanato/Agência Brasil

Do alto da cadeira de presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez um resumo que apresenta o mundo real ao presidente Jair Bolsonaro. “As mudanças não acontecem tão rápido numa democracia. O que é bom”. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu acabar com o fisiologismo no governo caso fosse eleito presidente do Brasil. Depois de amargar anos de escândalos e denúncias de corrupção que foram consequência das práticas danosas da velha política, o eleitor adotou entusiasmado o discurso de Bolsonaro e elegeu-o presidente. Bolsonaro tem agora a tarefa de aprovar no Congresso a reforma da Previdência que, embora necessária, é um remédio amargo que impõe sacrifícios, o que a deixa, portanto, muito longe de ser unanimidade. Para dividir os sacrifícios, o Congresso apresenta a sua fatura. E Bolsonaro, sem outra saída senão correr o risco de ver sua proposta derrotada, cede. “O presidente é refém de seu discurso de campanha”, resume Maia.

Durante a campanha, Bolsonaro chegou a escrever nas suas redes sociais:“A política das indicações e do toma lá dá cá leva o Estado à ineficiência e à corrupção”. Com o início da tramitação da reforma, verificou-se que a teoria na prática é outra. O mandatário rendeu-se à promiscuidade política a qual tanto criticou. Não sem um malabarismo retórico. Por inspiração do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o governo alardeou ter criado o que batizou de Banco de Talentos. Vendeu-o ao público como uma ferramenta que fará um arquivo com as indicações dos políticos e seus partidos. “Feitas as indicações, a definição sobre quem será ou não nomeado se dará por razões técnicas”, prometeram os áulicos do governo. O que se verificou nos últimos dias, no entanto, é que tudo não passa de um eufemismo usado para designar a relação que há anos se estabelece entre o governo e o Congresso: votos em troca de cargos e verbas.

“Tucanaram o apadrinhamento”

Coube a um parlamentar da base do governo, o senador Major Olímpio (PSL-SP), a tarefa de chamar as coisas pelo nome que elas devem ter. “Tucanaram o apadrinhamento”, disse Olímpio, sem segurar as risadas. “Cada um faz a mudança de nome que quiser, né? Eu achei até engraçado: banco de talentos. Eu só posso achar que continua sendo indicação política da mesma forma. Bota o nome engraçadinho que quiser”. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi na mesma toada “É indicação política. Só colocaram outro nome. Será que no outro modelo as pessoas não tinham talentos?”, ironizou.

Assim, devidamente desmoralizado pelo companheiro de partido e pelo presidente do Senado, Bolsonaro iniciou o seu “Banco de Talentos”. Na terça-feira 26, longe dos eufemismos e perto da vida real, Bolsonaro reuniu-se com os líderes dos partidos da sua base de sustentação no Palácio da Alvorada. E, ali, Onyx Lorenzoni prometeu com todas as letras, sem pudores e rodeios, a quem quisesse ouvir: o governo liberará as nomeações políticas nos Estados e não fará contingenciamento (corte nas verbas) das emendas parlamentares. Já há até uma tabela de repasses. Cada deputado novato tem direito a indicar R$ 7,5 milhões em obras e transferências federais. Os reeleitos possuem um quinhão maior: R$ 10 milhões.

O governo dispõe de nada menos que 74.223 vagas em repartições federais nos Estados. Atualmente, 70% dos cargos estaduais ainda não foram trocados em universidades, diretorias regionais e superintendências de órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Esses cargos, de terceiro e quarto escalões, garantem aos deputados e senadores poder de influência, especialmente em seus berços eleitorais. São braços regionais do governo federal que esses parlamentares querem dominar.

A razão para o novo toma lá, dá cá é simples: o governo não tem votos para aprovar a proposta da Reforma da Previdência. Sem a desejada lua de mel com a sociedade, derrapou desde o início em crises desnecessárias que gastaram parte do seu capital político. Não consegue, assim, passar o rolo compressor sobre o Congresso e impor a aprovação do projeto de seu interesse. Como a proposta chega ao Congresso em meio aos escombros da crise da demissão de Gustavo Bebianno, os parlamentares aumentaram as faturas.

Na reunião com Bolsonaro, os líderes dos partidos não tiveram pruridos em cobrar do presidente o exercício da política como eles a entendem. Foi realpolitik na veia. Cobraram falta de atenção de ministros. Falaram de cargos. De verbas. “O presidente ficou rouco de tanto ouvir”, resumiu o deputado José Nelto (PODE-GO).

“É indicação política. Só colocaram outro nome. Será que no outro modelo as pessoas não tinham talentos?” Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado

Além dos cargos, a outra oferta feita pelo governo aos parlamentares é de verbas orçamentárias. Onyx tem prometido o pagamento antecipado de emendas. O governo até já definiu o instrumento para garantir essa liberação. “Terá que ter um projeto extra-orçamentário, um projeto de lei para criar uma rubrica”, disse o secretário especial da Casa Civil para a articulação política com a Câmara, o ex-deputado Carlos Manato. Para ele, é preciso tratar os parlamentares “com respeito”. No passado, como chegou a dizer o próprio presidente, esse “respeito” resultou em corrupção e desvio de dinheiro público. Espera-se que, agora, o flerte com as velhas práticas da política não acabe redundando em novos escândalos.