Baixo salário impulsiona empreendedorismo na enfermagem, diz Jaqueline Luquini

Baixo salário impulsiona empreendedorismo na enfermagem, diz Jaqueline Luquini

O Senado Federal vota em novembro o projeto para custear piso salarial da enfermagem, mas enquanto as discussões não avançam, profissionais da área têm encontrado no empreendedorismo uma forma de equilibrar remuneração e atuação profissional.

É o caso da enfermeira Jaqueline Luquini, que após adoecer devido às jornadas extenuantes de trabalho, decidiu buscar novas formas de rentabilizar a profissão. “Percebi que todos os profissionais da saúde empreendiam, menos a enfermagem. Médicos, fisioterapeutas, esteticistas, nutricionistas, todos tem seus espaços e seus negócios. Por que a enfermagem não? Além disso, me incomodava muito não ter autonomia profissional, remuneração digna ou mesmo um horário de trabalho aceitável. Cheguei a trabalhar em dois hospitais. Costumo dizer que morava no hospital e visitava a minha casa”, lembra.

A jornada dupla de trabalho é uma realidade para profissionais da enfermagem que não querem fugir de baixos salários. Sem o piso salarial, a remuneração da área pode variar de acordo com localidade, tempo de trabalho, bem como se a empresa é pública ou privada. Segundo o Site Nacional de Empregos (Sine), a média salarial varia entre R$ 2.008 e R $5.058.

O primeiro negócio da enfermeira Jaqueline Luquini foi a abertura de um Home Care, com serviços de saúde e cuidados domiciliares, entretanto o negócio demandou alto investimento e não trouxe os retornos esperados. “Foram 12 meses só gastando com marketing e burocracias, mas sem faturamento. O que eu ganhava na UPA e no hospital particular eu investia no meu negócio, mas nada acontecia, zero clientes, só recebia contato de outras profissionais da enfermagem me pedindo emprego. Cheguei a ficar com R$ 20 mil no vermelho. Demorou um tempo para que o retorno viesse”, conta.

Foi após uma pós em obstetrícia e especialização na área materno-infantil que a enfermeira encontrou um negócio lucrativo e de baixo investimento: o furo de orelha humanizado. “Furar a orelha de criança se tornou polêmica nos últimos anos, isso porque o método era arcaico e gerava dor e traumas nas crianças. Os estudos na área materno-infantil, além de cursos de bodypiercing, biossegurança e auriculoterapia me deram a base para criar minha própria técnica e foi aí que me toquei do potencial desse nicho até então inexplorado por profissionais de saúde. Rapidamente me tornei referência”, diz.

Atualmente a enfermeira faz sucesso entre as mães com o método, mas também atua na formação de profissionais da saúde que querem atuar na área, que pode trazer uma remuneração de R$5.000 mensais — o dobro do que ganha a maioria das profissionais de enfermagem atualmente. Ao todo, Jaqueline Luquini é mentora de mais de 2 mil alunas em todo o Brasil.

“Acho que quanto mais enfermeiras estiverem empreendedo em diversas áreas, mais nossa categoria se eleva, ficamos mais escassas e quem quiser contar com nosso trabalho, seja na assistência, seja contratando nosso serviço de forma privada, vai ter que valorizar nossa mão de obra”, comenta Jaqueline.

De acordo com a nova legislação aprovada pelo Congresso, o piso salarial da enfermagem em hospitais públicos deve ser de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos e R$ 2.375 para auxiliares. Entretanto, a lei foi suspensa em setembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de que as instituições não possuem fontes de orçamento para o aumento. A liberação de recursos e as fontes de custeio estão atualmente em pauta no Senado para que o piso seja destravado e passe a valer em todo território nacional. Para Jaqueline, esse é apenas o começo da luta da categoria.

“O piso garante um mínimo, mas não acaba com a jornada exaustiva, com a falta de autonomia, nem com os problemas de saúde mental que cada vez mais os enfermeiros enfrentam, como o transtorno de ansiedade que tive por exemplo. Durante o auge da pandemia éramos chamados de heróis, hoje querem nos negar um piso. A luta pelo piso é importantíssima e fundamental, mas a verdade é que a enfermagem ainda está presa a dois caminhos: entregar currículo ou estudar para concurso. O empreendedorismo ainda está engatinhando”, releva Jaqueline Luquini.

Furo de orelha humanizado, porque tão lucrativo?

No caso do furo de orelha humanizado, o baixo custo e alta rentabilidade é o que faz com que o nicho gere mais interesse nos profissionais da enfermagem, que é composto majoritariamente por mulheres (86,8%), de acordo o último levantamento de perfil profissional realizado pela Fiocruz, por iniciativa do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

“Praticamente você só precisa da sua mão de obra, EPIs, um paquímetro e um par de brincos pra começar, então o investimento inicial é muito baixo. Você praticamente transforma R$ 50 em R$ 150 em uma hora de atendimento. Esse é o preço médio que minhas alunas cobram, já eu cobro R$260. Tenho alunas que atuam no interior e cobram mais do que eu. Caso a pessoa saiba se diferenciar e se posicionar no mercado de trabalho, dá pra faturar mais que em plantões e com o bônus de manter a saúde mental e física a salvo”, defende a enfermeira.

Entretanto, Jaqueline Luquini lembra que essa não é a única forma de empreender, pois os profissionais da enfermagem pode ainda atuar no Home Care, estética, cuidados pós-parto, tratamento de lesões, ensino e pesquisa, obstetrícia, consultoria em aleitamento materno, pré-natal, etc. “O enfermeiro é um líder nato, então é um empreendedor por natureza, só não aprendemos na faculdade a construir nosso próprio negócio. Ainda não temos essa cultura”, diz.