Em fevereiro do ano passado, o bailarino Thiago Soares viveu um momento único na carreira: sua despedida do Royal Ballet, de Londres, uma das mais importantes companhias do mundo, na qual ingressou em 2002 e onde chegou a assumir o ambicionado posto de primeiro-bailarino. “Dancei Onegin, uma coreografia criada por John Cranko em 1965, e até hoje meus amigos ingleses comentam que foi o último grande momento do Royal em 2020”, conta Soares, lembrando que, logo em seguida, a pandemia da covid-19 obrigou o fechamento de todas atividades culturais.

Com isso, seus planos para uma carreira solo foram redimensionados, mas, aos poucos, ele conseguiu executar os mais desejados, como a criação do espetáculo Trans Point – Art of Fusion, que terá duas apresentações em São Paulo no sábado, 26, e domingo, 27, no Teatro J. Safra. Trata-se da primeira produção do Studio TS + Dança, criado por Soares no Rio, ainda em março de 2020, e direcionado para bailarinos profissionais ou não.

“Inicialmente, as aulas eram online, cada um em sua casa, mas, aos poucos, conseguimos reunir pequenos grupos para, com toda segurança, fazermos aulas presenciais”, conta ele, que selecionou oito artistas, entre 19 e 27 anos, para compor o grupo especial do Projeto Talentos, com o qual desenvolveu o espetáculo Trans Point.

Soares assina a concepção, direção geral e coreografia do balé, além de estar em cena. “Trata-se de uma obra plástica, que fala sobre a nossa nova forma de fazer o que já é conhecido, com novos códigos e apostando em diferentes possibilidades”, explica o bailarino, que pretendeu fazer um mergulho coreográfico em suas origens.

Seu início foi tardio – nascido em Niterói, ele ingressou no Centro de Dança do Rio quando estava com 16 anos, para dançar jazz. Na época, graças à insistência de uma professora, iniciou o aprendizado de balé clássico. Logo, descobriu sua aptidão: em 1998, ganhou medalha de prata no Concurso Internacional de Dança de Paris e, ao retornar ao Brasil, foi convidado a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio.

Em 2001, participou do Concurso Internacional de Ballet do Teatro Bolshoi, na Rússia, e conquistou a medalha de ouro. Mais que isso: chamou a atenção de Makhar Vaziev, então diretor do Mariinsky Ballet, que o convidou para ficar. Vaziev ficara impressionado com um detalhe: as aterrissagens assustadoramente macias feitas por Soares depois dos saltos, conseguindo pousar na ponta dos dedos e vagarosamente até descer o calcanhar. Assim, logo chegou ao Royal Ballet, em 2002.

“Em Trans Point, faço uma análise pessoal e trago todo o acervo de movimento que já tive o prazer de dançar até hoje, como elementos de capoeira, street dance, dança urbana, balé clássico e de todos os códigos que já acessei”, explica. “Se houve um aspecto positivo no isolamento social foi o de me manter em um lugar, sem viagens de excursões, o que permitiu me dedicar unicamente ao meu projeto.”

O espetáculo é composto por sete atos e Soares estará em cena em três: um solo (que contará com a participação especial do tenor Geilson Santos), um dueto e um número coletivo. “Concebi um espetáculo de dança com bailarinos profissionais e, sem dúvidas, os elementos básicos da dança clássica estão ali”, observa. “Um bailarino que não tivesse os elementos da dança clássica não conseguiria fazer esse trabalho, porém propus vocabulários, palavras e elementos de outras fontes que são bem diferentes do balé clássico. Então, diria que é uma obra de dança contemporânea e que tem até um dueto com duas meninas, reforçando a importância do empoderamento.”

Como foi criado durante a pandemia, o espetáculo traz vestígios deste momento especial, em que teve que lidar com o distanciamento físico e que tem a máscara como elemento essencial no convívio. “Por causa disso, parece que o trabalho apresenta uma certa frieza, mas, ao mesmo tempo, é muito robusto emocionalmente. Trans Point é também sobre essa restrição emocional que, de alguma forma, estamos tendo que aprender a lidar. Criamos condições sanitárias para não usar máscara em cena, pois, além de atrapalhar o controle da respiração, ela não permite que o público veja as expressões faciais.”

Aos 40 anos, Soares traz uma sólida bagagem artística, que lhe dá condições de enfrentar as adversidades. “Quando se distancia do palco, o bailarino cria um certo medo, porque perde o senso de espaço e vê prejudicada sua coordenação de tempo com esse espaço”, comenta ele que, além de auxiliar o grupo a recuperar o controle físico, também se preocupou com a estabilidade mental. “Afinal, estamos estreando em um momento em que o mundo ainda busca respostas e, no nosso caso, o questionamento é: por que dançar? Sempre fui um artista muito lúdico, agarrado a sonhos e jornadas surreais, que pudessem se tornar realidade. Agora, no entanto, vivemos uma situação orgânica, em que só o coletivo consegue enfrentar o choque de realidade. Então, isso precisava estar evidente na minha dança e nos meus bailarinos.”

São vários os planos em que o bailarino trabalha para colocar em prática. Nesta semana, ele aceitou o convite para ser o diretor artístico do Ballet de Monterrey, no México, mais um passo no seu desejo de manter o controle criativo de sua carreira. “Entendi que era o momento de assumir todas as etapas da minha história. Pensar no projeto que quero realizar, conceber a proposta artística, criar as coreografias, fazer as minhas escolhas. Como bailarino, eu não tinha esse poder de decisão”, explica.

História em papel e na tela

Outro plano é o de lançar sua autobiografia, Dançando Pela Vida, prevista para ser publicada no início de 2022. “Revelo como funcionam os bastidores dos espetáculos, que o público desconhece – especialmente depois que passei a ser o primeiro bailarino do Royal: o peso dessa condição, as tristezas e alegrias, as possíveis sacanagens.”

Ele também terá sua trajetória contada em uma peça, Thiago Soares – Um sonho Real, o Musical, idealizado pelo jornalista Carlos Jardim, que assina o texto juntamente com Flávio Marinho e Ângela Chaves. E o próprio Soares vai criar as coreografias. “As audições já começaram, em meu estúdio”, conta ele que, depois de inspirar um documentário da HBO, O Primeiro Bailarino, de 2014, será tema de um novo longa metragem da Globo Filmes, em fase de produção, que deverá falar também do título de Doutor Honoris Causa, que recebeu da King’s College London.

SERVIÇO

TRANS POINT – ART OF FUSION

TEATRO J. SAFRA

RUA JOSEF KRYSS, 318, BARRA FUNDA. TEL.: (11) 3611-3042

SÁB. (26/6) E DOM. (27/6), 19H

R$ 50 / R$ 120

VENDAS ONLINE: WWW.EVENTIM.COM.BR/TEATROJSAFRA

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.