A primeira cena do espetáculo Último Ato, criado, dirigido e protagonizado por Thiago Soares, evoca a sua despedida do Royal Ballet de Londres, no qual foi primeiro-bailarino por 16 anos, até fevereiro de 2020. Os aplausos são inevitáveis, afinal, o artista fluminense, de 42 anos, venceu as raízes humildes e conquistou fama internacional.

O que interessa a ele mostrar, no entanto, vem na sequência dessa abertura. Com Último Ato, que será visto no Teatro J. Safra neste domingo, 8, Soares deseja trazer à tona reflexões sobre os bastidores do mundo da dança e como um trabalho tão exigente molda a vida de quem resolve se dedicar a tal ofício.

Não, não se trata de uma despedida, como ele mesmo se adianta a avisar quem acompanha sua trajetória. Em um flerte com o teatro, a dramaturgia da peça mostra um artista em plena maturidade olhando para si mesmo e dividindo essa visão em um papo reto com público. “Estou ofegante mesmo, o cabelo ficou branco e preciso de uma pausa de vez em quando para tomar água, mas não vou parar”, garante. “Quero apresentar o Thiago que revisita o passado com gratidão para projetar um futuro que inclui a dança, o teatro e a atuação.”

Em Último Ato, quatro outros bailarinos ainda podem ser vistos em cena e vão além da linguagem corporal, explorando também os diálogos. Tairine Barbosa, Alyne Mach, Elenilson Grecchi e Hélio Cavalcanti interpretam personagens como uma camareira de caráter duvidoso, alguns bons amigos de Soares, quem sabe também alguns inimigos e uma representação da figura da morte.

“Estou gostando muito desse campo da dramaturgia e da atuação”, conta o bailarino. “Quando fiz o curta-metragem Quimera Vermelha, exibido no Festival de Cannes do ano passado, alguns caminhos se abriram e até diretores vieram me sondar”, revela.

O TEMPO. Para ele, a relação com a idade está bem resolvida e a sua vida, sim, recomeça depois dos 40 anos. Ele diz que chega uma hora em que o corpo começa a falar e é preciso escutá-lo para que o excesso de esforços não se transforme em armadilha – ainda mais para quem o usa como instrumento de trabalho.

O coreógrafo não pretende atravessar o tempo se replicando, como se ainda tivesse 20 anos, uma questão que complica muito, segundo ele, a cabeça de seus colegas. “Eu dei tudo para a dança, a minha juventude, os meus tendões, deixei a minha família e pessoas queridas, mas a dança foi generosa comigo, porque tudo o que tenho, da meia que uso até a minha casa, foi conquistado graças a ela”, declara.

Hoje, o bailarino mora entre o México, o Brasil, no caso o Rio de Janeiro, e a Inglaterra. Por três anos, foi diretor artístico do Ballet de Monterrey e, nos últimos dois meses, mudou seu contrato para ser coreógrafo residente. Sua história é um daqueles casos de superação tipicamente brasileiros.

Nascido em São Gonçalo, ele foi criado no bairro de Vila Isabel, na capital fluminense, e seu interesse pela arte surgiu por intermédio do circo e dos grupos de street dance, hip- hop e jazz. Descobriu a dança clássica aos 16 e, um ano depois, já integrava o corpo de balé do Teatro Municipal do Rio.

BOLSHOI. Em 2001, ganhou a medalha de ouro do Concurso Internacional de Ballet do Teatro Bolshoi – premiação inédita para um brasileiro – e ficou um ano na Rússia, transferindo-se no ano seguinte para o Royal Ballet, em que estrelou os maiores clássicos e conheceu a consagração.

Aos 38 anos, quando se despediu da companhia londrina, Soares já tinha a intenção de desacelerar e diversificar as atividades. Não queria mais ser visto só como o sujeito de malha branca capaz de surpreender com seus saltos e pela capacidade de pousar na ponta do pé.

Até então, era comum o bailarino correr o mundo em mais de 80 espetáculos por ano e, segundo ele, parar na hora certa representou não danificar demais o seu corpo. “Quando trabalho com muita dor, fica uma memória física, como se fosse chicoteado e, se me sinto legal nessa etapa da vida, isso se deve às decisões que tomei ao longo da carreira”, afirma.

Para o ano que vem, Soares faz mistério, mas deixa escapar que protagonizará uma produção brasileira em que será visto como ator e bailarino, com estreia prevista para São Paulo. “Sinto que há muitas coisas para fazer e estou atento aos sinais de diretores que queiram me tirar desse lugar de conforto”, conta ele.

Antes é provável que entre em cartaz a cinebiografia Um Lobo entre os Cisnes, dirigida por Marcos Schechtman e Helena Varvaki, que repassa a sua história, da infância pobre até a fama mundial. Quem interpreta o bailarino nas telas é o ator Matheus Abreu, conhecido pela série Dois Irmãos e pela novela Vai na Fé. “Eu acompanhei o processo, conversei bastante com o Matheus e, apesar de não ter visto ainda, acredito que tenha saído um filme emocionante”, aposta Soares. “Quem gosta de histórias de superação vai aprovar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.