No momento em que os questionamentos sobre os benefícios da globalização se proliferam e diante da ameaça de os Estados Unidos criarem regras alternativas ao comércio global, o brasileiro Roberto Azevêdo deve ser reeleito hoje para mais quatro anos no comando da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em discurso às vésperas da sua reeleição, Azevêdo fez um alerta claro: caberá a cada um dos governos, embaixadores e diplomatas lutar pela sobrevivência do sistema multilateral diante da ameaça protecionista que paira sobre o mundo.

A reeleição de Azevêdo ocorre no momento em que o governo do presidente Donald Trump avalia a possibilidade de adotar mecanismos de sanções contra parceiros comerciais, sem a consulta, intermediação ou autorização da OMC. Hoje, apenas os tribunais da entidade podem dar o sinal verde para que governos implementem penalidades, depois de juízes determinarem se as práticas adotadas violam ou não regras internacionais.

Pelo novo projeto americano, porém, a estrutura que centraliza na OMC julgamentos envolvendo o comércio internacional, criada em 1995, seria substituída por autoridades do próprio governo dos EUA, a quem caberia determinar as punições. Segundo o jornal Financial Times, a administração Trump já teria pedido a especialistas que formulem uma lista de instrumentos que poderiam ser usados na aplicação dessas multas, sem passar pela OMC.

Na prática, se os EUA considerarem que um produto brasileiro, por exemplo, afeta de forma injusta empresas dos EUA em seu mercado ou mesmo em terceiros mercados, poderia adotar sanções contra o País sem mediação da OMC.

A medida foi interpretada como um primeiro sinal concreto de que os americanos estariam abandonando a entidade e que poderiam adotar regras comerciais que, na avaliação de especialistas, violam as normas da OMC.

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A posição americana deixou diplomatas e negociadores preocupados ontem em Genebra. Durante a campanha presidencial, Trump chegou a dizer que a OMC “é um desastre”, com membros de sua equipe alertando que a entidade “não funciona”. Representantes de alguns governos disseram ao Estado que, desde a eleição de Trump, vêm tentando conseguir dos EUA garantias de que os americanos estão “comprometidos” com a OMC. Mas a resposta tem sido “evasiva”.

Reeleição. O debate sobre a situação americana acabou sendo o centro da discussão sobre a reeleição de Azevedo. O brasileiro é candidato único para mais um mandato e o processo, que estava marcado para ocorrer entre fevereiro e maio, foi antecipado. Nesta segunda-feira, o diretor-geral da OMC foi alvo de questionamentos, por parte de alguns governos, com a sobrevivência do sistema no centro do debate.

O governo chinês, numa clara alusão aos EUA, questionou Azevêdo sobre o que pretendia fazer para se “contrapor ao aumento do protecionismo”. Em resposta, o brasileiro indicou que esse deve ser um “esforço comum” e pediu que delegações se manifestem contra barreiras.

O governo americano foi o próximo a falar, argumentando que medidas de defesa comercial não são atos protecionistas. Washington pediu para que Azevêdo fosse mais direto. O diretor-geral da OMC admitiu que todos os governos têm esse direito. Mas apontou que é sua aplicação que deve ser avaliada.

Ao tomar a palavra diante dos mais de 160 países para pedir o apoio de todos, Azevêdo foi contundente em reconhecer que a globalização está sendo questionada. “Precisamos pensar sobre como garantir que os benefícios do comércio cheguem a mais pessoas”, defendeu.

Pela Europa, EUA e diversos países, partidos políticos têm usado a globalização comercial como alvo de suas campanhas, prometendo rever acordos e mesmo abandonar algumas iniciativas. Azevêdo, sem citar Donald Trump, deixou claro que as ameaças existem. “O crescimento da economia global é baixo. O crescimento do comércio é baixo. As ameaças do protecionismo não podem ser ignoradas”, disse. “O multilateralismo enfrenta resistências e ainda lutamos contra os desafios persistentes da pobreza”, afirmou. “Muitos se sentem excluídos dos benefícios do comércio.” No entanto, Azevêdo alertou que não concorda com a análise de que o desemprego estrutural está ligado ao fluxo de comércio.

Azevêdo quer, nos próximos quatro anos, trabalhar para que o comércio seja “parte da solução” e não o responsável pelos problemas sociais. “Não há dúvidas de que vivemos um momento desafiador para o sistema multilateral do comércio.”

Mas, segundo Azevêdo, são nesses momentos que as regras internacionais ganham importância. “O valor dos acordos globais é evidente.” Segundo ele, as estruturas existentes hoje foram erguidas como “resposta direta às lições sangrentas da história”, numa referência à 2.ª Guerra Mundial. “Elas representam o melhor esforço do mundo para garantir que os erros do passado não sejam repetidos”, advertiu.

Diante desse cenário, segundo Azevêdo, a OMC “é mais importante do que nunca”. “Precisamos trabalhar para defender o sistema. Temos o papel de salvaguardar esse elemento-chave da governança global.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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