O empresário cearense Ayrton Queiroz, que completa 70 anos em agosto, comemorou antecipadamente o aniversário em público, ele que é um homem reservado e que, a exemplo do industrial norte-americano Henry Frick (1849-1919), também colecionador, foi estimulado pela mãe, a visionária Yolanda Queiroz, morta na sexta-feira, 17, a apreciar obras de arte. Dois dias antes, o chanceler Queiroz inaugurou, na Universidade de Fortaleza (Unifor), criada pela família em 1973, uma exposição com 252 das 700 obras de sua coleção – equivalente ao acervo da fundação com o nome do pai, Edson Queiroz, em torno de 800 peças.

A referência a Frick não é gratuita. O americano e seus descendentes criaram uma das maiores coleções privadas de arte do mundo, que abriga desde os renascentistas até os modernos. Ayrton Queiroz fez o caminho inverso: começou pelos modernos, comprando, aos 16 anos, uma tela do pintor abstrato cearense Antonio Bandeira – que preferiu a um Karmann-Ghia oferecido pelo pai. Foi recuando no tempo e suas aquisições recentes incluem uma rara pintura do holandês Frans Post (1612-1680). Resultado: por meio de sua coleção particular, é possível contar a história do Brasil do século 17 até hoje – o exemplar mais antigo do acervo é um estudo de Eckhout de um indiozinho ajoelhado (1640).

E não só do Brasil. A sua é uma coleção internacional, como a americana Frick Collection. A Frick tem um estudo para a Ascensão da Virgem de Rubens? A coleção de Ayrton tem também um estudo do barroco flamengo, um pequeno óleo de 1615 com a cabeça de Santo Ambrósio. A Frick tem Renoir? O brasileiro também tem um dos melhores: um retrato da babá Gabrielle Renard (1878-1959) ao lado do filho do pintor, Jean Renoir, aos seis anos, que viria a ser o autor de A Regra do Jogo.

A lista de mestres estrangeiros na coleção é imensa: Matisse, Monet, Léger, Chagall, Max Ernst, Miró, Torres-García, Dufy, Henry Moore, Debret, Rugendas. A dos brasileiros é maior ainda: Eliseu Visconti, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila, Volpi, Pancetti, Guignard, Portinari, os concretos (Charoux, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Judith Lauand), neoconcretos (Lygia Clark, Oiticica, Willys de Castro) e contemporâneos (Antonio Dias, Tunga e Leonilson).

Três curadores organizaram a mostra em cinco eixos, do Brasil holandês ao Brasil atual, entre eles Fábio Magalhães. Não havia, segundo o marchand Max Perlingeiro, “uma preocupação curatorial do colecionador ao montar seu acervo”, embora instituições internacionais como o MoMA de Nova York hoje recorram ao empréstimo de peças da coleção do cearense (como o de uma obra de Lygia Clark). “É uma coleção única, como nunca vi em 50 anos de atividade”, diz o terceiro curador da mostra, José Roberto Teixeira Leite.

Nela, é possível comparar como os pintores viajantes (Eckhout, Rugendas) viram o Brasil colonial ou como contemporâneos tratam a herança concreta e abstrata. Trata-se, enfim, de uma coleção digna de um museu. Quem sabe Queiroz monte um Inhotim em Fortaleza?

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