Avião da Voepass que caiu em Vinhedo teve falha omitida horas antes de voo

Piloto não teria registrado problema no sistema de degelo em diário de bordo; ex-funcionários ouvidos pela IstoÉ afirmam que prática de ocultar defeitos era incentivada pela empresa

Secretaria da Segurança Pública
Avião da Voepass caiu em Vinhedo (SP) Foto: Secretaria da Segurança Pública

Dois ex-funcionários da Voepass ouvidos pela IstoÉ relataram um cenário de pressão pela liberação das aeronaves para a realização de voos, independentemente de suas condições técnicas, e retaliações contra colaboradores que reportavam falhas.

As versões são corroboradas por informação revelada pelo site G1 neste sábado, 2, de que o sistema de degelo do ATR 72-500 de matrícula PS-VPB falhou durante um voo que antecedeu o acidente em Vinhedo (SP), em 9 de agosto de 2024. O episódio foi omitido do diário de bordo técnico, segundo testemunhas, o que autorizou a realização do voo final.

Em nota, a Voepass afirmou ter cumprido as “exigências rigorosas que garantem a segurança das operações aéreas” e que a frota “sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos” até o encerramento de suas atividades, em junho de 2025.

Falha omitida

Conforme a reportagem, a aeronave pousou em Ribeirão Preto, sede da companhia, às 1h do dia 9, momento em que o piloto relatou verbalmente ter enfrentado problemas com o degelo. Até às 5h30, o ATR ficou parado no hangar para manutenção básica, mas a pane não foi investigada devido à omissão do diário de bordo.

Às 11h58, o mesmo avião decolou do aeroporto de Cascavel (PR) com rumo a Guarulhos. No trajeto, enfrentou uma condição severa de formação de gelo, perdeu o controle e caiu às 13h22 no condomínio Recanto Florido. Os 58 passageiros e quatro tripulantes a bordo morreram.

ATR 72-500 operado pela Voepass

ATR 72-500 operado pela Voepass

O relatório preliminar do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), divulgado em setembro de 2024, revelou que o Airframe De-Icing da aeronave, responsável pelo degelo, foi acionado e desligado repetidas vezes no período.

Voepass ‘incentivava silêncio’

Luiz Almeida, copiloto da Voepass de setembro de 2019 até a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) cassar o COA (Certificado de Operador Aéreo) da empresa, relatou à IstoÉ que os tripulantes que reportavam condições inadequadas das aeronaves não tinham respostas e eram retaliados pelos empregadores.

“Por várias vezes, neguei o prosseguimento de voos. Aviões eram parados no aeroporto porque indicavam itens ‘no go’, estavam irregulares“, disse. “[Em reação] eles colocavam você de stand-by, empobreciam a escala. Tive problemas com comandantes porque me recusava a seguir com um voo”.

Avião da Voepass que caiu em Vinhedo teve falha omitida horas antes de voo

Precariedade na área interna de aviões foi relatada à IstoÉ, com imagens, por fontes

Sob condição de anonimato, um ex-mecânico da companhia afirmou que a manutenção era “feita na gambiarra, para garantir a liberação dos aviões no horário“.

Segundo ele, ao relatar falta de equipamentos, os funcionários do setor eram ameaçados de demissão. “Os mecânicos eram capacitados, mas a ferramentaria sempre foi precária“.

Este conteúdo faz parte de “Voepass 2283: Sem Controle”, a primeira edição do IstoÉ Docs, que estará disponível no canal de YouTube da IstoÉ no sábado, dia 9 de agosto, com entrevistas de familiares, ex-funcionários, especialistas em aviação e informações apuradas na sede da companhia.

Avião da Voepass que caiu em Vinhedo teve falha omitida horas antes de voo