Com o tema “Transformando o Conhecimento em Ação: Construindo um Futuro Melhor”, a edição 2025 do Encontro Anual da ASCO (American Society of Clinical Oncology), concentrou esforços para impulsionar pesquisas sobre o câncer em direção a mudanças acionáveis e apresentou avanços em terapias para diversos tipos de câncer. Dados mais recentes sobre câncer colorretal, mama, pulmão e gástrico trouxeram melhores perspectivas de tratamento.
A presença de médicos e pesquisadores brasileiros ganhou destaque no evento, com estudos selecionados para sessões orais, pôsteres e publicações científicas oficiais. A delegação da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) foi uma das maiores no evento, com mais de 200 associados presentes.
“O Encontro da ASCO 2025 reafirmou sua posição como o principal evento global na área, trazendo avanços significativos em terapias inovadoras, medicina personalizada e dados relevantes de hábitos de vida que significativamente impactam o controle do câncer, como o dado de que a prática de atividade física estruturada reduz mortalidade em pacientes com câncer colorretal”, conta a presidente da SBOC, Dra. Angélica Nogueira. “A representativa presença de brasileiros país em apresentações científicas é destacável e motivo de muito orgulho para a SBOC”, comenta. “Este evento é o grande momento dos oncologistas de todo o mundo se conectarem e discutirem os avanços no cuidado oncológico”, acrescenta.
Para a oncologista clínica, os estudos apresentados sobre câncer de mama, tumores gastrointestinais e de pulmão, em especial, tiveram grande destaque nesta edição da ASCO, com potencial imediato para impactar o tratamento da doença avançada no Brasil e no mundo, com ganhos significativos em sobrevida. “Algumas descobertas inovadoras e de simples aplicação foram apesentadas”, detalha a oncologista clínica.
Um exemplo disso foi um estudo bicontinental realizado entre 2018 e 2023, com 713 pacientes oncológicos franceses e chineses (envolvendo instituições médicas e universidades francesas e chinesas, como a Sorbonne em Paris e o Cancer Hospital of Xiangya School of Medicine, em Changsha na China) que apontou o impacto do horário na aplicação da imunoterapia para câncer de pulmão avançado, subtipo não pequenas células.
Se o tratamento for realizado no período matinal, antes das 15 horas, a taxa de resposta é melhor porque o tratamento aproveita a estimulação do sistema imunológico natural do organismo do paciente. “São medidas extremamente simples que qualquer clínica pode adotar para impacto de controle de doenças”, explica Dra. Angélica Nogueira.
Câncer de mama
Para casos avançados de câncer de mama do subtipo molecular HER2, a Presidente da SBOC comenta que novas condutas para prática clínica, já usadas em outros contextos, mostraram que podem impactar o controle da doença em primeira linha. “Alguns estudos sugerem grande eficácia quando medicações, já utilizadas antes, foram levadas para a primeira linha da doença avançada metastática”, detalhou.
Outros trabalhos em câncer de mama apresentados no Encontro, mas no contexto desafiador de doença triplo negativo (CMTN) – subtipo agressivo de câncer de mama – um grupo de drogas conjugáveis, quando combinadas a imunoterapia revelou que o ADC (iniciais de conjugado anticorpo-droga), trouxe melhores resultados do que o padrão de quimioterapia e imunoterapia para pacientes que têm um marcador denominado PDL1 positivo.
Para pacientes com o câncer mama mais comum – o cenário de doença hormonal – estudos apresentados no ASCO consolidaram medicamentos que aumentam a sobrevida das pacientes com a doença na primeira linha metastática, com foco na inclusão de pacientes com doença de mais alto risco (recidivadas durante o uso de hormonioterapia adjuvante ou dentro de um ano do término). Na primeira linha de tratamento no cenário metastático, as pacientes foram randomizadas entre tratamento convencional em hormonioterapia e inibidor de ciclina, acrescido de novos medicamentos que formam um novo braço de investigação.
“O que a ASCO 2025 trouxe de novidade para câncer de mama em doença hormonal foram os dados de sobrevida global, consolidando um novo padrão terapêutico de tratamento para este grupo de pacientes”, comenta a presidente da SBOC.
Na principal sessão do encontro da ASCO, o estudo batizado de Serena 06, publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, teve grande repercussão por mostrar a possibilidade da avaliação do tratamento do câncer de mama também por meio de exames de sangue, o que pode significar uma transformação na forma de monitorar as pacientes.
Classicamente, médicos definem se um tratamento está progredindo ou se um paciente está respondendo por exames como tomografia computadorizada, ressonância magnética, além dos sintomas clínicos. “Este estudo monitorou as pacientes com câncer de mama também com a pesquisa de DNA tumoral circulante, por meio de exames de sangue. Os tratamentos eram trocados à medida que a taxa de DNA tumoral aumentava no sangue das pacientes. Os pesquisadores mostraram que essa troca precoce de medicação levou ao maior controle da doença”, comenta a Dra. Angélica Nogueira.
Foram acompanhados 315 pacientes com câncer de mama avançado metastático. Todas as pacientes tinham o câncer de mama mais incidente, por doença hormonal, impulsionada por receptores que se ligam ao estrogênio para estimular o crescimento tumoral. Nenhuma delas apresentava evidências, por exames de imagem, de que o câncer estivesse progredindo. Para detectar essas mutações precocemente, as pacientes fizeram exames de sangue a cada dois ou três meses, em busca de pequenas quantidades de DNA mutado e liberado pelas células cancerígenas.
“O Serena 06 ganhou notoriedade não só como ganho de eficácia nos tratamentos, mas também como estratégia inovadora de controle da doença. Isso pode significar uma mudança de paradigma. A avaliação por exame de sangue poderá permitir o combate ao câncer resistente antes que os tumores tenham a chance de crescer”, acrescentou.
Destaques brasileiros
Na sessão educacional “Scalable and Sustainable Innovations in Global Oncology Care”, o oncologista e membro do comitê de oncogenômica da SBOC Dr. Rodrigo Dienstmann apresentou o case da Oncoclínicas &Co, grupo do qual é diretor do programa de Medicina de Precisão. O foco de sua aula foi um exemplo concreto de como é possível construir um ecossistema de inovação no Brasil, com impacto no diagnóstico e tratamento do câncer de pulmão.
“Fazer inovação escalável em saúde exige articular interesses distintos – do paciente, dos médicos, da indústria, dos financiadores, da pesquisa – e transformar isso em uma aliança de ganhos mútuos”, afirmou Dr. Dienstmann. Ele destacou como parcerias público-privadas e com a indústria farmacêutica viabilizam, por exemplo, o acesso à testagem molecular de alta complexidade para pacientes com câncer.
O LungMap, programa de suporte a pacientes com adenocarcinoma de pulmão avançado, foi citado como o exemplo mais consolidado dessa estratégia. Iniciado em 2020, o programa já ofereceu testes moleculares abrangentes a mais de 10 mil pacientes com câncer. Inicialmente a testagem dependia de envio de amostras aos EUA. Hoje, são realizados no Brasil, em laboratório próprio da Oncoclínicas _ OC Medicina de Precisão _, seguindo padrões de qualidade internacionais. “Essa mudança não é só tecnológica. Ela envolve reorganizar todo o fluxo – desde o momento da coleta da biópsia pelo cirurgião ou radiologista até a chegada da amostra ao laboratório, passando pela atuação integrada da equipe multidisciplinar”, explicou. A introdução da biópsia líquida como alternativa para casos em que a amostra de tecido falha também foi um marco que ampliou o acesso. Hoje, menos de 10% dos pacientes não conseguem completar o diagnóstico molecular.
Segundo dados inéditos apresentados por Dr. Dienstmann, entre 2021 e 2024, cerca de 40% dos pacientes com câncer de pulmão adenocarcinoma que participaram do Lung Map apresentam uma alteração molecular que direciona a uma terapia alvo molecular. Destes casos, 70% iniciaram esta terapia alvo em até duas semanas após a chegada do material no laboratório – um avanço expressivo frente ao cenário anterior para rapidez diagnóstica. “Esse tempo de resposta permite que o paciente receba uma terapia-alvo com potencial de controle prolongado da doença. A média de uso desses tratamentos chega a 22 meses, em contraste com a quimioterapia, que frequentemente é interrompida após dois ou três meses”, afirmou. Ainda que os dados não permitam afirmar que houve aumento da sobrevida global dos pacientes que participaram do programa, Dienstmann foi enfático ao dizer que a assertividade e a agilidade do tratamento melhoraram significativamente. “Estamos falando de eficiência diagnóstica e acesso. Isso por si só já transforma o cuidado oncológico.”
Câncer precoce no Brasil aumentou 219% em 20 anos (UFES)
Estudo coordenado pelo associado da SBOC Dr. Luís Carlos Lopes Júnior, da UFES, revelou um crescimento de 219% na incidência de cânceres com início precoce (antes dos 45 anos) entre 2000 e 2019. O câncer de mama foi o mais prevalente nesse grupo etário. A pesquisa foi selecionada para pôster oficial no Encontro Anual da ASCO.
Geriatria e prognóstico: estudo avalia idosos com câncer metastático (GAIN-S)
A psico-oncologista brasileira Cristiane Bergerot, coordenadora do Comitê de Cuidados Paliativos da SBOC, é primeira autora de uma análise secundária do estudo GAIN-S, que mostrou que uma intervenção geriátrica estruturada melhora o entendimento emocional e adaptativo do prognóstico por parte de idosos com câncer metastático.