16/10/2020 - 9:30
Mal o sol tinha nascido e na frente da agência da Caixa Econômica Federal, uma enorme fila já se formava.
Para receber o Auxílio Emergencial alguns estavam acampados desde a noite anterior.
Um funcionário saiu da agência e deu o aviso:
– Vamos lá, pessoal! Todo mundo de máscara e mantenham distância de quem está na sua frente! Dois metros! Vamos, vamos!
Como sabia que não adiantava apenas pedir, o funcionário passava de um em um para garantir a segurança de todos.
– A máscara, minha senhora… um passinho pra trás amigão… isso, isso… ô filho, dá um espacinho aí…
Em sua caminhada, o funcionário parou diante de um sujeito de boné e óculos escuros, vestindo uma camiseta do Atlético Paranaense.
Por alguns segundos, ficou olhando desconfiado para o homem, a ponto de deixá-lo sem graça.
O sujeito virou o rosto, evitando contato visual.
O funcionário ameaçou continuar caminhando, mas, subitamente, voltou ao sujeito.
– Perai… você não é o…
Antes que o funcionário completasse, o homem levou o indicador aos lábios sob a máscara:
– Shhhhhhh!
– Rá! Eu sabia! É você mesmo, então, né? — perguntou.
Quem diria! O senhor em carne e osso aqui na minha fila!
Olha, sempre fui seu fã, viu? Achei uma injustiça o que fizeram com o senhor
O homem se aproximou e pediu em voz de segredo:
– Pelo amor de Deus, fala baixo… eu não quero ser reconhe…
Mas antes que terminasse de falar, o funcionário disparou:
– Pessoal! Olha só quem tá aqui!
Imediatamente a organização da fila se desfez.
Alguns sacaram os celulares e começaram a fotografar.
Outros pediam autógrafo.
Uma senhora tentou arrancar sua máscara e um rapaz mais jovem arrancou seu boné, sem cerimônia.
O funcionário, orgulhoso de sua descoberta, continuou.
– Quem diria! O senhor em carne e osso aqui na minha fila! Olha, sempre fui seu fã, viu? Achei uma injustiça o que fizeram com o senhor.
– Obrigado… mas, por favor,… continue aí o seu trabalho. — o homem pediu enquanto o funcionário o abraçava para uma self.
– Que honra! Nossa Senhora! O senhor é a última pessoa que eu esperava encontrar nessa fila! Me diga! O que o senhor tá fazendo aqui?
Incomodado com a multidão que se formava ao seu redor, o homem achou que seria melhor responder logo para que o funcionário da Caixa fosse embora.
– Ué? Tô pegando meu auxílio emergencial, não é para isso essa fila?
– É, não tá fácil para ninguém. Alguém falou no meio da multidão. O funcionário continua:
– Mas o senhor não sabe que podia ter feito tudo pela internet? Não precisava ter vindo até aqui. O famoso envergonhado, responde:
– Eu sei… mas sabe como é… cortaram minha internet essa semana. Falta de pagamento.
– Ouviram isso?! Cortaram a internet dele! — o funcionário grita para a fila.
– Shhh… por favor – constrangido, o homem pede discrição – não espalha!
A verdade é que o homem vinha passando por sérias dificuldades.
Sem acesso a internet, dizem que até as compras de supermercado estavam difíceis. Alguém na fila gritou:
– Bem feito, traidor!
Mas foi imediatamente vaiado.
Aos poucos a fila voltou a se organizar e começou a andar.
O funcionário se ofereceu para passá-lo na frente.
O homem agradece e continua em seu lugar.
Duas horas depois, consegue chegar ao caixa, sob aplausos de populares e funcionários.
Faz tudo o mais rápido possível e sai da agência dando os últimos autógrafos.
Na rua, seu celular toca. É sua mulher.
– Oi amor… deu certo, sim. O dinheiro já está comigo.
A mulher pergunta algo.
– Então… não deu, o pessoal me reconheceu. Mas não se preocupa. O Bolsa Família eu cadastro na próxima.
E, sem ser reconhecido, Sergio Moro desaparece na multidão.