“Quem sou eu e quem é você, nessa história, eu não sei dizer”. O que estaria pensando Leo Jaime quando compôs Rock Estrela, sucesso musical dos anos 1980? Amor, família, ditadura (vivia-se as páginas finais do regime militar de mais de 20 anos)?

Um almoço com amigos queridos, entre tapas e beijos políticos, me deixou profundamente perturbado (no bom sentido, claro). No final do dia, caríssimos leitores, “enquanto a gente pensa que sabe de tudo, o mundo muda de cena em um segundo”.

O Brasil vive dias bastante intensos; e tensos! Infelizmente, nossas elites (políticas, empresariais, artísticas, imprensa etc) nos conduziram a um péssimo momento, provando que não aprenderam nada e não esqueceram nada.

Uma sombra adormecida ressurgiu com extrema força nessas malditas eleições. Malditas? A meu ver, sim. Não, obviamente, pela democracia, mas pelo tipo dela. E por termos nos apreendido entre duas péssimas escolhas, cada uma pior que a outra.

Certas portas não devem ser abertas jamais. Uma fresta, por menor que seja, permite a passagem de luz. E a passagem de luz projeta a sombra, neste caso, do autoritarismo, que, repito, ressurge com grande vigor. Pior. Enfurecido e dissimulado.

Todos já ouviram falar no tal inconsciente coletivo. Mas poucos conhecem, contudo, o ogro coletivo. A besta-fera está à solta por aí, atacando instituições democráticas (imprensa, Igreja, Justiça, institutos de pesquisa), empresas e cidadãos.

O autoritarismo é multifacetado e, eu diria, apolitizado. Ele só se importa consigo mesmo e suas verdades. Fora de sua caixa, sua bolha, todo o mal deve ser e será combatido. E uma das facetas mais aparentes chama-se “censura” (prévia ou não).

Os agentes políticos e a imprensa, em conluio de fé com gigantesca parte da sociedade civil, turbinados pela internet e as onipresentes redes sociais, abriram os portões de todos os infernos, e demônios autocráticos e intolerantes foram soltos.

A censura – e essa é a verdade inexorável – voltou. Travestida, tímida, educada, mas voltou. Um site, aqui, um canal de Youtube, ali, ou uma Rádio, acolá. Em nome da democracia, agentes pretensamente democráticos atacam a própria… democracia!

Com toda e a devida razão, veículos de imprensa, por todo o Brasil, se insurgem contra as recentes decisões judiciais, notadamente contra a Rádio Jovem Pan e a produtora de conteúdo digital Brasil Paralelo, vítimas de censura prévia e autoritarismo judicial.

Porém, impossível esquecer, o que ocorre dentro de todos estes veículos – todos!! – não deixar de ser igualmente, uma forma de censura, ou no mínimo, autoritarismo. Não há no mundo uma redação de jornalismo incólume a essa praga.

A pressão, melhor dizendo, opressão, parte de todos os lados. O departamento comercial tem interesses, os acionistas e/ou controladores têm interesses, os chefes (em todos os níveis) têm interesses. Dinheiro, poder, ideologia, religião, vaidade…

“De onde se vem, pra onde se vai, só importa saber pra quê”. Eis aí. Se vem do STF ou TSE, se vai para a sociedade civil ou para os partidos e políticos, o que nos importa – e aos censores – é saber: pra quê? No fundo, ninguém pensa na democracia.

A violência é sempre intolerável, sob nossa ótica, quando praticada por e contra os outros. Porém, é sempre relativizada quando somos, nós mesmos, o agente ativo. Impor censura aos mais fracos, sob nosso poder de influência, é costumeiramente comum.

Censuramos, sim, filhos menores e pais e avós idosos. Censuramos funcionários! Ditamos regras de comportamento social e interferimos na liberdade de expressão e de opinião de todos que nos cercam e são, digamos, a nós subordinados.

Nessa hora, contudo, não nos consideramos um Xandão ou uma Cármen Lúcia, afinal, fazemos “para o bem e pelo bem”. Sério? Bem de quem, cara pálida, além do nosso próprio e de nossas convicções? Eis o auto-engano natural humano em estado puro.

Sim, “opressor do bem”, admita: você é autoritário e censor. Por isso, antes de meter o dedo na fuça dos outros, olhe-se no espelho. Está com raiva do Supremo e dos togados da Justiça Eleitoral? Beleza. Eu também estou. Mas somos mesmo tão diferentes assim, em nossos tribunais, sob nossas jurisdições?