As autoridades que foram apontadas pela Polícia Federal (PF) como alvos do monitoramento ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) reagiram às suspeitas de espionagem. Em publicações nos perfis oficiais, os nomes que entraram na mira dos “softwares espiões” pediram rigor na investigação e, se confirmadas as suspeitas, clamaram pela punição dos envolvidos no caso da “Abin paralela”.
O esquema de espionagem com o aparato da Abin é investigado pela PF nas Operações Última Milha e Vigilância Aproximada. Segundo as diligências, o monitoramento teve como alvos autoridades rompidas com a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), senadores que compuseram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e até governadores estaduais. A informação foi divulgada na sexta-feira, 2, pelo programa de TV Jornal da Band.
A relação de autoridades monitoradas vai desde ex-integrantes do primeiro escalão de Bolsonaro a parlamentares de oposição, passando por inimigos políticos do ex-presidente. Nas redes sociais, os citados reagiram às suspeitas.
Opositores e membros da CPI da Covid
Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), senador que integrou a oposição ao governo de Jair Bolsonaro e a CPI da Covid, e hoje é líder do governo Lula no Congresso, lembrou que as investigações ainda estão em andamento, mas relacionou o uso da Abin para monitorar inimigos políticos a uma violação aos direitos à privacidade e ao sigilo. “Quaisquer indícios de violações a tais direitos devem ser rigorosamente apuradas e punidas”, declarou o senador em publicação nas redes sociais, ratificando uma declaração dada ao telejornal.
O senador Humberto Costa (PT-PE), que também integrou a CPI da Covid, disse ter recebido a informação com “indignação”. Além de pedir pelo seguimento das diligências, o senador sugeriu que quaisquer informações coletadas pelas investigações que envolvam parlamentares devem ser entregues ao Congresso Nacional.
Segundo o senador, essa seria uma medida cabível pois a espionagem clandestina “é um crime, acima de tudo, contra o exercício democrático”. Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, já se manifestou neste sentido. Na quarta-feira, Pacheco encaminhou ao STF um pedido de informações sobre o inquérito da Abin, solicitando o nome dos congressistas citados como alvos de espionagem.
Parlamentares que foram aliados de Bolsonaro, mas romperam com a gestão do ex-presidente, também foram citados como alvos do aparato paralelo da Abin. São os casos da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) e do deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP). “Irei até as últimas consequências”, disse Thronicke nas redes sociais. “Os responsáveis por esse crime devem ir para a cadeia”, disse Kataguiri ao Jornal da Band.
Inimigos políticos de Jair Bolsonaro
João Doria (sem partido), ex-governador de São Paulo, também foi citado entre os nomes monitorados pelo serviço de inteligência paralelo. “Minha repulsa a este comportamento sórdido e condenável, não apenas no meu caso, mas de todos aqueles que estavam sendo ilegalmente espionados. A atitude transcende questões políticas e atinge a própria essência da democracia”, pontua o ex-governador em nota encaminhada ao Estadão. Doria, que elegeu-se ao Palácio dos Bandeirantes apoiando Bolsonaro em 2018, tornou-se adversário do governo nos anos seguintes, principalmente no período da pandemia de covid-19.
Até ex-integrantes do governo de Jair Bolsonaro que romperam com o ex-chefe do Executivo federal foram alvos do esquema ilegal de espionagem, segundo o inquérito. É o caso de Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação. “Não tenho medo do que eles possam encontrar”, disse Weintraub, afirmando “não estar surpreso” com a suspeita de monitoramento ilegal.
A lista de alvos da espionagem ilegal ainda envolve outros ex-ministros de Bolsonaro: Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo). Antigos aliados de Bolsonaro, Santos Cruz e Weintraub romperam com o ex-chefe do Executivo após deixarem as suas pastas.
A “Abin paralela” monitorava também os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), que compuseram a mesa diretora do colegiado na CPI da Covid junto com Randolfe Rodrigues.
Outros senadores do colegiado monitorados teriam sido Rogério Carvalho (PT-SE), Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PI) e Alessandro Vieira (MDB-SE). Fora da CPI, a ex-senadora e atual ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB) também está na lista.
A Abin monitorou ainda o ex-deputado Alexandre Frota (sem partido-SP), que era aliado de Bolsonaro mas se afastou durante o mandato do ex-presidente. Outro alvo foi o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB-RJ).
A lista inclui também o ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação, Camilo Santana, além dos ministros do STF Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Investigações miram ‘softwares espiões’
As investigações sobre o suposto aparelhamento da Abin ocorrem desde outubro de 2023, com a deflagração da Operação Última Milha. O nome dessa investigação satiriza um software que ainda é peça-chave nas diligências, o FirstMile. Desenvolvido por uma empresa israelense, o programa permite ao usuário, entre outras funções, o monitoramento em tempo real da geolocalização de celulares.
Os investigadores já sabem que o FirstMile foi utilizado 60 mil vezes pela Abin entre 2019 e 2023, mas outros programas entraram no radar dos investigadores. Além disso, também já é de conhecimento dos investigadores que mais da metade dos acessos da Abin ao FirstMile ocorreu em 2020, ano de eleições municipais.
“O grupo teria criado uma estrutura paralela na Abin e utilizado ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal”, diz um comunicado da PF sobre as investigações.