Nas relações entre o Soldado e o Estado há necessidade de a sociedade reconhecer que existem interesses justos no estamento armado que são pouco considerados nessas discussões.

Para reconhecer é preciso conhecer.

Falta conhecimento da população quanto a características, formação, expectativas, valores e tradições que conformam o homem e a mulher das armas em nosso país.

Quando são divulgadas pesquisas de opinião avaliando os militares, normalmente, com alto grau de confiança, se percebe nas entrelinhas das respostas que a sociedade admira o que não entende.

É conciso o conhecimento e interesse do Poder Legislativo, excetuando-se alguns nobre e audazes deputados e senadores, sobre as responsabilidades que lhe cabe na aprovação dos documentos que balizam a Defesa Nacional.

A Estratégia Nacional de Defesa, a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional dormiram anos nas gavetas do Congresso quando deveriam de pronto serem trazidos à discussão das Comissões de Defesa de ambas as casas.

Há um desinteresse incompreensível e não patriótico, um “deixa prá lá” irresponsável, na missão de analisar o orçamento, propor destinação, definir papéis, discutir futuro, ir até a ponta da linha, avaliar projetos, dar sugestões.

É o Poder Executivo que detém a responsabilidade de definir a política de Estado, eventualmente de Governo, sobre a ação operacional da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, por meio do Comandante em Chefe das Forças Armadas, o Presidente da República.

Todavia, em uma democracia que pretende se fazer madura e respeitada, todos os atores, públicos e privados, podem e devem agir dentro de suas atribuições constitucionais e sociais para discutir e estabelecer parâmetros para um responsável controle civil sobre o estamento militar.

Ainda são poucos os acadêmicos nacionais que tomam esse assunto como linha base de seus estudos no mestrado, doutorado ou pós-doutorado.

Think Tanks com temas militares se formam normalmente em torno das mesmas pessoas. Ex-ministros, diplomatas, militares, professores e jornalistas que lutam para manter acesa a chama. Ainda bem, mas é preciso respirar novos ares.

Como consequência, universidades, associações, federações etc. padecem de massa crítica capaz de desenvolver múltiplas vertentes de pensamento e oferecer um leque de opções qualificadas para a abertura dessa caixa preta.

Nos estudiosos que abordam esses assuntos se percebe uma constante revisitação ao passado, mas poucas luzes apontando consistentemente ao futuro.

O mundo, em constante mutação, vem demonstrando que, mesmo em países solidamente assentados sobre um poder civil soberano, há militares que se mostram insatisfeitos e querem discutir a forma como se enxergam e se projetam na condução política de seus países.

Mas o ser político, natural em cada indivíduo, não pode ser confundido com o ser partidário, postura equivocada a fardados no exercício efetivo de suas funções.

Nos Estados Unidos da América, dezenas de oficiais retirados do círculo de generais e almirantes assinaram declarações contra o comandante em chefe, o Presidente Joe Biden.

– Não é legítimo e não representa os valores herdados dos pais fundadores.

O General Michael Flynn, conselheiro de segurança nacional do ex-Presidente Trump, chegou a propor Lei Marcial para obrigar uma nova corrida eleitoral. Estamos falando da América!

Na França, berço da democracia moderna, em 21 de abril de 2021 foi publicada uma carta no jornal de direita Valeurs Actuelles, reclamando da falta de autoridade do governo Emmanuel Macron para agir contra o aumento das ideias radicais do Islamismo naquele país e seus ataques aos valores ocidentais.

Como agravante, militares da ativa menos graduados também foram a público criticar o Presidente francês por sua política migratória versus seus esforços na luta antiterrorista.

– Demos nosso sangue e vida na guerra contra eles no Afeganistão, Mali e República Centro Africana e agora recebem concessões aqui em nosso próprio solo.

No Brasil, nos últimos anos, ganhou força uma grita na sociedade com pedidos por uma “intervenção militar constitucional”. São citados como objetivos a serem conquistados pelo movimento: o retorno dos valores morais judaico-cristãos e o combate ao comunismo.

Alguns militares da reserva que aderiram ao movimento publicaram cartas contra as eleições, os eleitos e até os chefes militares que se mantiveram, como esperado, vestidos no apartidarismo.

A despeito da imagem negativa que desejam pespegar nos fardados, suas lideranças não fugiram aos compromissos para com a Constituição, o Povo e a Democracia brasileiros nas últimas refregas.

A instabilidade ainda persiste. É nesse ambiente, agravado pelos eventos criminosos de 8 de janeiro, que se retomam as discussões sobre missões, meios necessários e papéis a desempenhar das Forças Armadas brasileiras, além da melhor forma de entendimento entre militares e civis.

Notícias dessa semana revelam interesses de partidos à esquerda em redesenhar o Artigo 142 da Constituição Federal, além de alterações em outras legislações, com vistas a “enquadrar os militares”.

É democrático discutir o assunto, é democrático discutir qualquer assunto de interesse da sociedade. É imaturo discuti-lo ao sabor das emoções.

Serenidade e resiliência devem ser atributos principais dos interlocutores. Exaurir ideias. Alinhar posturas. Ceder antes que impor.

Na conclusão do livro COMMAND (Oxford, 2022), obra que discute as interações entre a política e as operações militares, Lawrence Freedmann afirma:

– Autoridade é algo para ser conquistado, não para ser concedido – e isso vale tanto para os civis como para os generais.

Um saudável equilíbrio das relações entre civis e militares exige transparência e discordância leal de ambas as partes. Só assim, a autoridade inerente aos cargos será conquistada.

Paz e bem!