Por ser um fenômeno único e irreversível que ocorre em vida, a morte impõe uma solene etiqueta: sobre o morto, calamos ou elogiamos; ou lágrimas e flores, ou nada. Mas também ela, a morte, comporta exceções. Olavo de Carvalho é uma delas.

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Dentre os oito filhos que deixou existe Heloísa de Carvalho, a primeira a quebrar o protocolo: “que Deus perdoe toda a maldade que ele fez”. Pela despedida da filha mede-se a trajetória do pai.

Mais: circulou nas redes sociais, com a incrível rapidez característica de um planeta redondo e não plano, o seguinte aforismo atribuído ao escritor, cronista e jornalista Ruy Castro – “Morreu Olavo de Carvalho. Considerado um imbecil por todos os filósofos e um filósofo por todos os imbecis”.

Filósofo ele não era. Assim denominava a si próprio, mas tratava-se de mera pretensão — ausência de vigilante superego. Olavo de Carvalho foi um medíocre filósofo de internet na razão direta da mediocridade das tantas filosofias que podem ser extraídas da internet. Foi péssimo escritor; foi arrogante ao tentar fazer de sua arrogância um casulo blindado para a ignorância. E fez-se mentor de considerável parte da hoje diluída ala ideológica do bolsonarismo. Funcionou para o presidente Jair Bolsonaro e seus obtusos gatos pingados de seguidores, feito o principal teórico da extrema direita. Achava-se soberano, era vassalo.

Em uma de suas aulas pela internet, Olavo de Carvalho criticou todo o sistema de conhecimento que nos foi deixado por Georg Wilhelm Friedrich Hegel, um dos mais importantes e vitais filósofos que já pisaram a Terra (redonda, não plana), a ponto de se poder dizer que houve uma concepção de humanidade antes de Hegel e outra após a sua existência. Assim como há uma noção de humanidade antes de Dante Alighieri, outra depois. Uma anterior a Gustav Mahler, outra posterior. São homens que vieram ao mundo (redondo, não plano) para criar espiritualidades.

Hegel dá sequência harmônica e otimista ao pessimismo de Heráclito e ao fundamento de que “nunca nos banhamos duas vezes em um mesmo rio”. Hegel é a maravilha humana no desenvolvimento da “dialética no plano das idéias”.
Pois bem, para Olavo de Carvalho, Hegel fora um inútil.

Por todas as razões aqui expostas, sobre o corpo de Olavo de Carvalho, vitimado, segundo sua filha, pelo vírus da Covid que ele dizia ser inofensivo, é impossível tecer elogios, porque até a hipocrisia (filosoficamente explicada desde a Antiga Grécia) tem limites. E também é impossível manter-se calado.

Sobre o defunto de Olavo de Carvalho, nem lágrimas nem flores.

Quebre-se o ritual. Sobre o seu defunto, somente a verdade de um pequeno mundo intelectual (aqui sim, plano) falido e fracassado.

Fosse à época da Revolução Francesa, o certo é que, na Assembleia Nacional Constituinte, Girondinos ou Jacobinos não aceitariam Olavo de Carvalho.

Sem Olavo de Carvalho, o Iluminismo sai-se triunfante.